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Golpismo tardio

Enquanto nas redes a empresa produtora dos shows de Swift no Brasil continua sendo acossada pelo conjunto de erros, o público de São Paulo esfrega as mãos de ansiedade para a sua vez com a diva pop
As tragédias são tantas e tão profundas que se encavalam uma sobre a outra e, num lapso de tempo curtíssimo, encobrem-se umas às outras. Foi assim no inferno climático do último final de semana no Rio de Janeiro, quando dezenas de milhares de jovens de várias regiões do país foram para a cidade por conta do show do fenômeno pop Taylor Swift. Enquanto estavam todos com a atenção voltada para a morte da estudante de psicologia sul-matogrossense Ana Clara Benevides, 23 anos, ofuscou-se o grau de violência dos assaltantes que mataram o também estudante e também do Mato Grosso do Sul Gabriel Mongenot, de 25 anos.
Gabriel estava no Rio também para o show de Swift e foi assassinado pouco mais de 24 horas depois da morte de Ana Clara. Ele foi morto na orla de Copacabana, na madrugada de domingo, num assalto, com 24 facadas. Vinte e quatro. Os assassinos, segundo dizem os veículos de informação, levaram dois celulares e uma chave de carro. Foram presos e confessaram o crime. Anderson Henriques Brandão e Alan Ananias Cavalcante têm extensa ficha criminal, com muitas dezenas de ocorrências, e já haviam sido presos em flagrante na sexta-feira, mas foram soltos no dia seguinte, na véspera do assalto, em uma audiência de custódia.
Gabriel era estudante de engenharia espacial da UFMG, em Belo Horizonte, e viajou ao Rio com amigos para o show de Taylor. Cochilava na praia com o grupo quando, às 3h da madrugada, foram surpreendidos por assaltantes, a poucos metros do batalhão da PM de Copacabana. Segundo os amigos, Gabriel acordou assustado e, por isso, foi esfaqueado no peito. Os amigos, no depoimento à polícia, disseram que os criminosos estavam extremamente alterados e violentos e que os chutavam o tempo todo na areia, gritando que matariam todos, se se levantassem. Os dois presos são o que a polícia chama de velhos conhecidos e vivem na rua, em Copacabana. Numa nota que parecia orgulhosa, o governo do estado do RJ informou que o crime foi solucionado em apenas 12 horas.
Sanitário portátil
A distopia brasileira é insuperável nos detalhes sórdidos. Na sexta-feira, ambos tinham sido presos pelo furto de 80 barras de chocolate em uma loja do bairro e, pela natureza do delito, foram soltos pela Justiça. Na biografia dos dois, no entanto, há todo o tipo de anotação criminal: homicídio, roubo, porte de arma de fogo, lesão corporal, furto, receptação etc. Nas imagens, nos gestos e nas fichas da dupla que circulam nos ambientes digitais, está explícita a ruptura daqueles homens com qualquer coisa semelhante a civilização, convívio social ou humanidade. Seja lá o que os tenha levado ao que são hoje e a esse grau de acometimento de barbárie, a coisa e o nome devem ser muito próximos de irreversibilidade.
Enquanto nas redes a empresa produtora dos shows de Swift no Brasil continua sendo acossada pelo conjunto de erros, desconfortos e tragédias, que fizeram mais de mil pessoas desmaiarem de calor no Rio, o público de São Paulo esfrega as mãos de ansiedade para a sua vez com a diva pop. Muita gente já deve ter separado a fralda geriátrica imprescindível para a plena fruição do show. O acessório tornou-se parte do kit obrigatório nos shows das turnês das estrelas gringas. Para conseguir o melhor lugar imprensados nas grades e para não arredar pé dos centímetros quadrados conquistados sob e sol e por longas horas na fila, a fralda é o banheiro portátil dos sonhos dos fãs. Como no ditado popular, gente se acostuma a tudo, até a furúnculo. Fraldas, 60 graus, barbárie na praia ou 23 facadas, poucos se importam. Tudo se repetirá de novo outras vezes.
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