
Janja e Michele: mulher, corpo e cama
O currículo das mulheres é entortado ao máximo para chamá-las de putas, piranhas ou do oposto: barangas, malcomidas e feias

Foto: Reprodução
Ninguém é obrigado a admirar ou elogiar publicamente Janja da Silva, a primeira-dama do país. Como também não era obrigado a fazer o mesmo com a ex, Michele Bolsonaro. Nem tampouco o inverso, ofendê-las moral e sexualmente, deveria ser da ordem do esperável e permissível. Em comum, entre as duas, há muito mais que o cargo ocupado pelos respectivos maridos. Do mesmo modo que a maior parte das ofensas desferidas contra Michele nas redes sociais, os ataques a Janja também sempre descambam todos para a sua condição de mulher no mundo.
Mesmo com as duas pertencendo a polos ideológicos tão dispares, as ofensas de cunho sexual dirigidas a ambas são muito semelhantes. Na hora de ofender uma, cada lulista ou bolsonarista deveria lembrar-se da outra. Se assim fosse, os xingamentos morais às duas teriam uma redução drástica. Nesta segunda-feira, a conta de Janja no X/ex-Twitter foi invadida, supostamente por um hacker. Por horas, quem a invadiu postou, como se fosse a primeira-dama, afirmações sórdidas e ofensivas, a ela e ao presidente Lula. Praticamente todas as postagens eram de conotação sexual, relativas não apenas ao ato em si, mas a traições e a desqualificações morais.
Sim, políticos do sexo masculino de diferentes matizes ideológicas são e serão alvos permanentes de ofensas. Mas coisa rara é ver presidentes, ministros, governadores e parlamentares sendo ofendidos com falas lhes atribuindo referências à sexualidade, à idade ou à forma física. A exceção só se dá quando o machismo entra em cena e um deles “xinga” um adversário de “viado”. Ninguém fala da idade nem de suposições relativas à vida sexual dos homens quando quer ofendê-los. Mesmo porque, para os homens, o currículo de cama é honra. O das mulheres, ao contrário, é inventado e entortado ao máximo para chamá-las de putas, piranhas ou do oposto: barangas, mal-comidas e feias, como fez o então deputado Jair Bolsonaro com Maria do Rosário (PT/RS), cuja feiura, segundo ele, a fazia não ser uma mulher elegível para o estupro.
Indignação seletiva
Vejam os prints que circularam após a conta de Janja ser invadida e analisem o quanto de teor sexual há no que ali está escrito. E não vale aqui a indignação seletiva, essa tão comum em que a esquerda só enxerga ofensa quando um dos seus é o alvo do discurso de ódio e o bolsonarismo gargalha quando as desqualificações são dirigidas aos petistas-comunistas (sic). E muito menos a sanha conspiratória dos bem-intencionados que sempre encontram trocentas camadas criativas em cada ato sórdido de um dos lados. Não foi pouca gente que viu na invasão da conta de Janja uma esperteza dos progressistas, que teriam inventado tudo para estimular o debate em defesa da regulamentação das redes sociais.
Para entender melhor o quanto as mulheres são ofendidas por sua sexualidade, seus traços físicos e sua idade, algumas das jornalistas mais importantes do país podem desenhar: Patrícia Campos Melo, Vera Magalhães, Miriam Leitão, Delis Ortiz, Malu Gaspar, Mariliz Pereira Jorge, Daniela Lima e muitas outras experimentaram, nos últimos anos, a fúria misógina e machista. Inclusive vinda de mulheres. E dos dois lados. São xingadas de feias, gordas, velhas, idosas, piranhas e de muitos outros adjetivos que ninguém nunca vê atribuídos a jornalistas homens. Antes de gargalhar do conteúdo ofensivo postado por um idiota na conta de Janja, esforce-se um tantinho, elabore um raciocínio hipotético e, no lugar dela, imagine uma mulher real, do seu mundo, do seu arco familiar, afetivo ou ideológico, e se pergunte que graça tem.
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