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Da reportagem à repostagem: jornalismo de chupa-chupa

Da reportagem à repostagem: jornalismo de chupa-chupa

Parte dos jornalistas, hoje presos nas redações, já não parece capaz de encontrar a notícia na rua

Da reportagem à repostagem: jornalismo de chupa-chupa

Foto: Reprodução

Por: James Martins no dia 28 de dezembro de 2023 às 00:00

Esses dias fui à praia da Boa Viagem e vi um pedaço da orla cercado por grandes tapumes. Lá dentro, tratores e outras máquinas a serviço da prefeitura fazendo uma obra de reparo. Confesso que senti certo orgulho. Isso porque, apesar de estar detonado há um tempo razoável, o local só ganhou atenção do poder público depois que publiquei no Metro1 uma reportagem a respeito. Mas, estou contando isso não para me “amostrar” e sim para destacar a importância do jornalismo, da reportagem, e refletir sobre a mudança de eixo do local de trabalho dos profissionais da área, a maioria confinada nas redações com a cara presa ao computador.

O fato é que essa situação viciou o olhar de grande parte dos jornalistas (especialmente os mais jovens), que já não parecem capazes de encontrar a notícia na rua, só em outro veículo de imprensa. Ou de mídia, como se diz. Finda-se a era da reportagem e inicia-se a da repostagem. Depois que a matéria repercutiu e interferiu na prática sobre a realidade, fiquei pensando que outros potenciais repórteres certamente passaram por ali, provavelmente viram a situação, mas não se tocaram de atuar como mensageiros do fato. Isto, como repórteres de fato. Eu mesmo já tinha expressado minha indignação só para mim antes de perceber que podia e devia usar o site da Radio Metropole como meio para a denúncia.

Há uma geração inteira de jornalistas cujo trabalho se desenvolve exclusivamente a partir de outros sites, jornais, blogs, perfis etc. Jamais na rua. São profissionais para quem, a essa altura, é preciso repetir diariamente e em jejum o conceito básico da profissão: estar entre o acontecimento e o leitor/espectador. Daí o termo mídia: aquilo que está no meio. O problema é que, presos diante das telas, a maioria só pode, de fato, mediar de um veículo para outro. Só pode chupar o que já foi publicado. Ctrl+C—Ctrl+V. Daqui em diante, notícia é muito menos o que acontece e muito mais o que já saiu na própria mídia. Sobretudo nos órgãos maiores (sem duplo sentido, por favor).

Andando pelas ruas do Comércio, vi a grande fila de táxis à espera de passageiros. Pensei: é notícia? Podia ser. “Aplicativos e bandeira 2 fazem táxis encalharem nesse fim de ano”. Se saísse na Folha de SP antes, seria mais fácil ser encarado como “pauta”. Mas a rua continua lá fora, com acontecimentos urgentes e mirabolantes esperando que os repórteres os reportem. Feliz ano novo!