
Bonfim, 270 anos de milagres e fé
Há um mistério baiano dos mais importantes que completa 270 anos em 2024: a Basílica do Bonfim.

Foto: Reprodução
“Tudo tem seus mistérios. Eu não sabia”, está afirmado no Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, escritor diante de quem o consagradíssimo Jorge Amado dizia sentir-se “pequeno”. O próprio Jorge, no entanto, sabedor das coisas do lugar, escreveu: “O mistério da Bahia perdura”. E há um mistério baiano dos mais importantes que completa 270 anos em 2024: a Basílica do Bonfim.
Mandada erguer pelo português, capitão de navio mercante e provador de fumo Teodósio Roiz de Faria, a Igreja do Bonfim tem uma famosa sala de ex-votos. O que nem todos lembram é que ela própria é um ex-voto imenso, pois foi construída como pagamento da promessa do comerciante que, em apuros no mar, rezou ao Senhor do Bonfim para se salvar. E garantiu que, uma vez sobrevivente, mandaria erguer para ele um templo nas terras da Bahia.
A questão misteriosa é a seguinte: tendo praticamente toda a extensão da cidade para pagar sua promessa, Teodósio construiu a igreja bem no alto daquela hoje famosa e sagrada colina. E acontece que o orixá que no sincretismo corresponde ao Senhor do Bonfim, que é ninguém menos que Jesus Cristo, é Oxalá — por sua vez, adorado no alto de uma colina semelhante em Ifé, considerada o umbigo do mundo.
E se todos vamos de branco da Conceição até o Bonfim é justamente por causa da fusão de Cristo e Oxalá, sendo esta a cor do orixá. Ele usa branco (e somente branco) porque é proibido de comer dendê desde que embriagou-se com o óleo do dito cujo e por isso não cumpriu a tarefa de criar o planeta terra. Iludido por Exu de que estava em um deserto sem fim, Oxalá furou um dendezeiro com seu cajado para matar a sede terrível e acabou bêbado, jogado e punido.
Agora é que o citado mistério se materializa ainda mais nas ruas da cidade. Pois, além da coincidência das colinas onde se adoram a ambos, as vias de acesso até a Igreja do Bonfim parecem se referir diretamente ao mito de Oxalá: Dendezeiros e Caminho de Areia. O deserto e a tentação. O resultado é que, graças ao sincretismo, temos aqui a única festa do Senhor Morto que se faz não com auto-flagelo e comiseração, mas com a alegria típica da religiosidade negra. Pois, como disse o poeta: “A tristeza é humana, mas a alegria é africana”. Ou, talvez, misteriosamente baiana.
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