
Não nos mande flores digitais. Eduque um macho
De novo é Oito de Março, dia de recebermos trocentos cards digitais ridículos. Nenhuma mulher com neurônio precisa desse tipo de cafonice masculina para dizer o óbvio sobre nós

Foto: Reprodução
Oito de março de 2024. Qualquer exercício óbvio que se faça revela a curva evolutiva nos modos de as mulheres existirem no mundo nas últimas décadas. Nos últimos 10 anos, o vocabulário usado para se referir às mulheres, seja para elogiá-las ou para descrever a violência que elas sofrem, passou por uma transformação gigantesca. Se você tem familiares ou amigos minimamente civilizados, dificilmente ouvirá de um homem recentemente pai de menina a frase medonha que até pouco tempo era dita para provocar risadinhas: ‘agora deixei de ser consumidor para ser fornecedor’.
À velha tese do ‘em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher’ se sobrepôs a Lei Maria da Penha, a tipificação do crime de feminicídio, uma palavra desconhecida pela maioria de homens e mulheres até pouco tempo, e a implementação do instrumento da medida protetiva. Infelizmente, apesar disso tudo, namorados, maridos, companheiros e ex de todas essas tipologias não pararam de matar as mulheres. Os números são assustadores, inacreditáveis para o século XXI, em todas as classes sociais, em diferentes faixas etárias.
Não nos consolam as declarações anódinas que explicam o crescimento dos números nestes termos: os homens não estão matando mais mulheres. É que antes, como o feminicídio não era tipificado, o assassinato de mulheres pelo machismo bárbaro entrava na vala comum do homicídio e a sociedade não tomava conhecimento. E daí, se o que mudou foram apenas os métodos de registro, de quantificação oficial? O que faremos com esse argumento consolador? Que utilidade tem essa informação? Para que serve?
As rosas toscas e os covardes
Não nos consolam as estruturas sociais, policiais e jurídicas que contam melhor e com mais exatidão os corpos e os números de mulheres mortas por seus ex-parceiros ou atuais. Onde se calibra a estrutura social que continua a produzir machos tão animalescos que agridem e matam mulheres ancorados no sentimento de que elas são coisas suas, fiapos de vida que eles podem eliminar do mundo com um tiro, uma faca, um espancamento? O número de mulheres mortas no Brasil nessas circunstâncias revela muito mais a predominância e manutenção da violência machista que não abre mão do direito de matar por ciúmes e posse do que a exceção homicida da condição humana que impede toda e qualquer sociedade de zerar as estatísticas da criminalidade.
De novo é Oito de Março, Dia Internacional da Mulher, dia de recebermos trocentos cards digitais ridículos, com imagens de rosas toscas, letras cursivas risíveis e textos xarope rimando amor, dor e flor, nos chamando de guerreiras, heroínas, sexo forte, geradoras da vida e blá-blá-blá. Nenhuma mulher com neurônio precisa desse tipo de cafonice masculina para dizer o óbvio sobre nós, da pior forma possível. Nos poupem dessas frases melosas, desses clichês e dessas bobagens.
Ao invés de nos encaminhar seu texto ruim e gasto, use o tempo para refletir sobre como você pode contribuir para evitar que, no futuro, mais um homem mate mais uma mulher. Torça o raciocínio e veja se acha um jeito de fazer com que outro homem, seja jovem, criança, filho, amigo, colega, parente, aprenda que ele não veio ao mundo com o direito de posse do corpo nem da vida de nenhuma mulher. Ensine um homem que você conhece a não ser covarde em nome da biologia. As mulheres do mundo agradecem a tentativa.
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