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Sábado, 27 de julho de 2024

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13 de maio: aboliram a abolição do calendário?

13 de maio: aboliram a abolição do calendário?

Houve tempo em que os blocos afro levantavam suas vozes e seus tambores em protesto, lembrando que, ao lado da lei, a carteira de trabalho dos ex-escravizados não foi assinada. Fazia sentido

13 de maio: aboliram a abolição do calendário?

Foto: Reprodução

Por: James Martins no dia 16 de maio de 2024 às 00:18

É impressão minha ou essa semana começou em silêncio total em relação ao seu primeiro dia útil: segunda-feira, 13 de maio? É impressão minha, ou aboliram mesmo a abolição do calendário? Não sei vocês, mas eu não ouvi um pio sequer sobre a data tão importante em que a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea. Achei estranho, pois cresci acostumado a ver e participar de comemorações ao dia 13 de maio de 1888. Sim, comemorações de todo tipo, inclusive (e até principalmente) críticas. Aqui quero fazer uma pequena distinção: comemorar não significa, necessariamente, festejar, celebrar. Comemorar = lembrar coletivamente, reviver em conjunto, discutir o passado. E, num país tão desmemoriado como é o nosso, deixar de comemorar o 13 de maio me parece um absurdo e uma traição às lutas de figuras como Luiz Gama, André Rebouças, Joaquim Nabuco, José do Patrocínio e tantos outros.

Houve tempo em que os blocos afro levantavam suas vozes e seus tambores em protesto, lembrando que, ao lado da lei, a carteira de trabalho dos ex-escravizados não foi assinada. Fazia sentido. E gerava discussões, revivendo o fato histórico de que o projeto original da abolição, como defendido por um André Rebouças, por exemplo, previa que junto da libertação houvesse também reforma agrária, educação e outros mecanismos de integração e oportunidade para os negros. Eu mesmo memorizei para sempre umas quadrinhas de cordel, recolhidas por Clóvis Graciano, e que meu pai leu para mim em criança, lá no Curuzu: “Sai sumana, entra sumana, / nêgo não larga trabaio, / passa má, morre de fome… / E cadê treze de maio? // Cala a boca, nêgo besta, / É mió ficá calado. / Treze de maio pra nóis / é desejo de capado…”. 

Ainda assim, acho uma grande bobagem renegar a conquista que se deu naquela data e para a qual, repito, tantos lutaram com suas próprias vidas. Apesar de a escravidão permanecer como “a característica nacional do Brasil”, a existência da lei que a condena, em si mesma, foi e é uma vitória essencial, a partir da qual estamos mais aptos a lutar pela segunda abolição. Comemoro, tanto no sentido de lembrar como no de festejar. Assim como os pretos santoamarenses fazem desde sempre no Bembé do Mercado, e como Machado de Assis descreve que fez no dia mesmo em que a lei foi sancionada.

Escreveu o bruxo: “Houve sol, e grande sol, naquele domingo de 1888, em que o Senado votou a lei, que a regente sancionou, e todos saímos à rua. Sim, também eu saí à rua, eu o mais encolhido de caramujos, também eu entrei no préstito, em carruagem aberta, sem me fazem favor, hóspede de um gordo amigo ausente; todos respiravam felicidade, tudo era delírio. Verdadeiramente, foi o único dia de delírio público que me lembra ter visto”.

Silenciar, meramente silenciar o 13 de maio me parece a pior das opções para o avanço das questões raciais no Brasil. País, repito, destacadamente escravo de sua falta de memória.