Faça parte do canal da Metropole no WhatsApp >>

Quinta-feira, 18 de abril de 2024

Home

/

Artigos

/

O mercado e os desconstruídes estão nervosos

O mercado e os desconstruídes estão nervosos

Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas, professora da Facom/UFBA e colaboradora da Rádio Metrópole

O mercado e os desconstruídes estão nervosos

Foto: Angeluci Figueiredo

Por: Malu Fontes no dia 04 de fevereiro de 2021 às 08:04

O mercado está nervoso. O identitarismo também. A razão do nervosismo do mercado, como sempre, é o dinheiro, o medo de perdê-lo nas bolsas de valores. A do identitarismo, quem diria, são os rumos tomados por um programa de entretenimento, o BBB21, que, no final das contas, também é movido pelo dinheiro, sob a forma dos prêmios financeiros dos participantes, e do lucro da Globo em anúncios publicitários, recorde a cada edição. O mercado ficou nervoso quando soube, na segunda-feira, que Bia Kicis, deputada federal pelo PSL do Distrito Federal e bolsonarista raiz, dessas que integram a guerra cultural e ideológica nas redes sociais, era a indicada do governo para presidir a comissão mais importante da Câmara dos Deputados, a de Constituição e Justiça (CCJ). 

Já o identitarismo estremeceu ao se ver rachado nas redes sociais, transformado em objeto de memes, textões na imprensa e sob o risco de cair na fenda aberta por integrantes que foram selecionados para o reality da Globo exatamente para mostrar ao país com quantas narrativas se constrói um desconstruído. E uma descontruída, claro. Como se constroem desconstruídes, aliás. Até curso para isso alguns participantes tiveram. O resultado, dizem os comentadores oficiais, desandou. Viraram chatos, caricatos, violentos. Carregaram na tal positividade, que virou tóxica.

Com a eleição de Arthur Lira para a presidência da Câmara dos Deputados, os centros gravitacionais da casa, e do mundo político fora de Brasília, se deslocaram para mais perto dos apoiadores mais alinhados às narrativas radicais do presidente Bolsonaro. Por suas características de identificação com a guerra cultural e por ser investigada por difusão de desinformação nas redes sociais, Kicis, no comando da CCJ, gerou descontentamento entre os bigs do mercado financeiro nacional. Como será visto um país cujas pautas mais importantes precisarão passar por uma parlamentar inexperiente, de primeiro mandato, que compartilha informações falsas e incentiva o descumprimento de medidas para redução da circulação do vírus? 
O partido de Bia e quem defende sua indicação têm usado, inclusive, a tese de que Bia preenche um requisito incrível para um cargo tão importante: é mulher. Como Damares Alves, a ministra da Mulher. As feministas e o empoderamento que lidem com essa tese. E, ainda sobre mulheres, sororidade, empoderamento, narrativas de gênero, feminismo e tal, são ilustrativas as imagens da festa de comemoração da vitória de Lira em uma mansão de Brasília. Numa das fotos, veem-se pelo menos 15 mulheres sorridentes, muitas delas parlamentares, circundando Lira, acusado de espancar, torturar psicologicamente, ameaçar com a tomada da guarda dos filhos e lesar patrimonialmente a ex-mulher. É uma tradução do que hoje se chama de suco de Brasil. 

PIPOCA - Longe de Brasília, mas onipresente na agenda do país, o BBB21 vem provocando uma ruptura entre grupos e ativistas nos quais havia praticamente consenso sobre uma visão de mundo em que há cartilhas do que pode ou não pode ser dito ou escrito, sob o risco de cancelamento. Duas participantes, ambas mulheres e negras, a cantora curitibana Karol Conká e a psicóloga baiana Lumena, transformaram a cultura do cancelamento – criticar, julgar, punir e condenar pessoas por algo que elas dizem ou fazem e é considerado inadmissível pelo identitarismo – em tema nacional para quem nem mesmo sabia o que era isso. Nas redes sociais e em qualquer espaço da web, não se fala em outra coisa, o que, além de gerar uma dissidência entre pessoas que defendem as mesmas pautas ativistas, encorajou a reação e manifestação de quem acha um exagero descolado da vida real a censura aos modos de expressão sobre o mundo. Não, ninguém está falando de discurso de ódio ou coisa parecida, mas da fiscalização da semântica alheia. 

E as equivalências entre Brasília e o reality mais famoso do país não se circunscrevem apenas ao nervosismo dos milionários das bolsas de valores e o dos brothers e sisters da casa da Globo. Assim como no DF continuam em altíssima as teorias conspiracionistas, o terraplanismo e a crença de que o comunismo está lutando para dominar o Brasil e é uma ameaça real, a tese dos identitários assombrados com a arrogância, a ‘positividade’ chata ou tóxica e a violência verbal dos seus queridinhos do BBB é a de que tudo não passa de uma estratégia sórdida urdida pela Rede Globo para desmontar a força do ativismo. O lado autoritário e lacrativo over das pessoas não é uma característica delas, mas um roteiro da Globo. Entre acreditar nisso e na sanidade das pessoas que avançaram agressivamente, em Brasília, contra ACM Neto chamando-o de comunista e mandando-o para Cuba, o certo é pegar a pipoca.