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Um conselho ao presidente

No interrogatório do STF sobre trama golpista, havia até um quê de referências a alguma temporada da ‘Escolinha do Professor Raimundo
Foto: Reprodução
Nesta terça-feira, alguns trechos dos depoimentos dos réus, no interrogatório do STF sobre a ação penal pela trama golpista de 8 de janeiro, levavam a crer que a TV Justiça exibia um programa humorístico, estrelado por Jair Bolsonaro e os demais membros do seu governo também acusados. Havia até um quê de referências a alguma temporada da ‘Escolinha do Professor Raimundo’. A cenografia jurídica parecia borrada por protagonistas acidentais: o ex-presidente, os ex-membros do seu governo e seus respectivos advogados.
Durante duas horas, Bolsonaro não respondeu às perguntas centrais sobre os eventos do 8 de Janeiro, feitas pelo ministro Alexandre de Moraes, seu principal antagonista na história recente brasileira. Adotou o modo defesa e usava frases tão desconexas que pareciam saídas de um roteiro de esquete humorístico tosco. Dos depoimentos do dia, saíam pérolas sucessivas para compor o anedotário político brasileiro. Os cortes de cenas inacreditáveis, algumas protagonizadas pelos advogados, disputavam com uma novíssima celebridade nacional a vaga de peça de humor da semana. Falamos de Marisa Maiô, uma criação, com ferramentas de inteligência artificial, do youtuber Raony Phillips, surpreendente pelo potencial de comédia revelado.
Sátira do telejornalismo
Com pouquíssimos dias de vida e ancorada em um roteiro sofisticado e irônico, a apresentadora memética foi cooptada para estrelar uma campanha publicitária do varejista Magazine Luiza. Marisa é uma mistura de apresentadora dos anos 90, dublagem de GPS genérico e filosofia de influencer fitness, e era o fenômeno midiático isolado da semana, não fosse Bolsonaro e sua trupe no Supremo.
O cruzamento entre tecnologia, delírio e espetáculo nos coloca diante de um assombro real. A inteligência artificial criando intencionalmente personagens caricatos extremamente funcionais e a política brasileira sambando na cara do cidadão com figuras reais que rivalizam com personagens da ficção. Marisa Maiô, criada por IA, tem entonação cômica, trejeitos de programa infantil, um figurino impagável e bordões virais que remetem a perguntas e respostas satíricas vistas diariamente no telejornalismo e nos programas de entretenimento. Bolsonaro, na TV Justiça, oferecia performances igualmente risíveis. A personagem de Raony Phillips tornou-se comédia nacional por escancarar a estética do artificial. Bolsonaro, ao vivo, reforça a tragicomédia institucional brasileira, onde o riso não é mais catarse, mas um quase recurso de sobrevivência nacional, diante da política encenada reiteradamente como piada.
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