
O tráfico e a nota de repúdio
O jornalismo sabe: funcionários da prestação de serviços ao público, como técnicos da Embasa, de empresas de telefonia, não circulam nessas áreas sem autorização do tráfico

Foto: Reprodução
Não há como ler a nota de repúdio da TV Bahia, após traficantes, no Complexo do Nordeste de Amaralina, expulsarem, sob ameaça de morte, o motorrepórter Rildo de Jesus, na última segunda-feira, sem lembrar do capítulo que inaugura a crueldade do tráfico de drogas contra o jornalismo, no Brasil: a morte de Tim Lopes, então repórter investigativo da Rede Globo, no Rio de Janeiro, em 2002. O agravamento da ação do tráfico, de lá para cá, 23 anos depois, ilustrou, no episódio de segunda, em Salvador e ao vivo, como é exercido o domínio territorial das facções nas metrópoles brasileiras.
E o jornalismo sabe: funcionários que atuam na prestação de serviços ao público, como técnicos da Embasa, de empresas de telefonia, entregadores, taxistas, motoristas de aplicativos e, sim, cabos eleitorais de candidatos de quaisquer partidos, não circulam nessas áreas conflagradas sem autorização do tráfico, os donos do pedaço. E sem correr risco de ficarem como alvo em meio ao conflito de diferentes facções. A pergunta é incômoda, mas é óbvia e inevitável: por que seria diferente com os jornalistas? Se era diferente, não continuará a ser.
É tiro, Rildo
Nas cenas de segunda-feira, quando Rildo foi escorraçado ao vivo por traficantes, a bola de possibilidades do que pode acontecer quando uma profissional, sob o pretexto de estar num ambiente hostil para informar o cidadão, por um triz não foi furada por um fuzil do tráfico, indiferente ao que o mundo civilizado chama de direito à informação e liberdade de imprensa para informar ao cidadão etc e tal.
A fuga, ao vivo, transmitida pelo próprio ameaçado, autonarrada, os colegas o chamando afetivamente, do estúdio, para sair dali, como se estivéssemos diante de uma fuga diante de uma chuva que chegou de repente, era a demonstração enviesada do quanto o tráfico não compartilha linguagem nenhuma com o jornalismo. Tráfico só ‘gosta’ de jornalistas para ajudar seus soldados a saírem vivos, como quando pedem a emissoras que vão para as portas de casa onde faccionados mantêm reféns. Não, o tráfico não lê nota de repúdio. É tiro, Rildo, nao vai lá, não…
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