Quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Faça parte do canal da Metropole no WhatsApp

Home

/

Artigos

/

Uma afronta

Uma afronta

O convite ao frei Gilson para o Réveillon da Avenida Paulista não fere apenas a sensibilidade dos que não partilham de sua fé — fere o próprio tecido democrático

Uma afronta

Foto: Reprodução

Por: José Medrado no dia 23 de outubro de 2025 às 07:06

Um convite absurdo. O frei Gilson foi convidado e terá uma participação no Réveillon da Avenida Paulista, em São Paulo, na celebração da virada de 2025 para 2026. O evento, que está sendo promovido pela Prefeitura de São Paulo, dizem os organizadores que será um "Réveillon Cristão" e contará também com a presença de outros nomes da música católica. A própria divulgação em si já traz o descompasso total com o Brasil laico, como preconiza a Constituição Federal, recentemente comemorada em seu aniversário de promulgação, 05 de outubro.

O convite feito ao frei Gilson para conduzir tal celebração, não é um gesto inocente, nem uma simples escolha de uma figura pública. Trata-se de um ato que afronta o princípio da laicidade do Estado brasileiro — um princípio constitucional que deveria nos proteger justamente desse tipo de confusão entre poder público e crença religiosa. O problema aqui não é o frei, tampouco a sua fé. O problema é o Estado — ou as autoridades envolvidas — escolherem, para um evento de caráter público e simbólico, um representante de uma religião específica. Quando o espaço público, sustentado por todos os cidadãos, se torna palco de uma celebração conduzida por um líder religioso, estamos diante de uma violação simbólica da neutralidade que a laicidade exige.

O Brasil é um país de fé plural: católicos, evangélicos, espíritas, israelitas, umbandistas, ateus, agnósticos, budistas, muçulmanos e tantos outros, que convivem sobre o mesmo território e sob a mesma Constituição. É justamente por reconhecer essa diversidade que a laicidade não é uma opção ideológica, mas uma garantia de igualdade. O Estado laico não é antirreligioso ou comunista, alguns dirão — ele é, ao contrário, o que permite a todas as religiões coexistirem sem privilégio nem perseguição. Portanto, o convite ao frei Gilson não fere apenas a sensibilidade dos que não partilham de sua fé — fere o próprio tecido democrático. Ainda que o gesto possa parecer festivo ou simbólico, o que está em jogo é o uso de um espaço público, institucionalizado nesse dia – 31 de dezembro - para endossar um credo, ou o apóstolo desse credo, em função do seu discurso, alinhado ideologicamente aos governantes do estado de São Paulo e da sua capital. A laicidade não é uma moda, mas uma necessidade de contemplação e respeito ao pluralismo brasileiro.

Artigos Relacionados