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Quinta-feira, 28 de março de 2024

De como urbanistas gringos salvaram o Palácio Thomé de Sousa

Nuno Portas, Oriol Bohigas e Frank Gehry convenceram o então prefeito Antônio Imbassahy da adequação do projeto de Lelé

De como urbanistas gringos salvaram o Palácio Thomé de Sousa

Foto: Divulgação

Por: James Martins no dia 15 de abril de 2021 às 08:10

O Palácio Thomé de Sousa, sede da prefeitura de Salvador, já nasceu polêmico. Projetado pelo arquiteto e urbanista João Filgueiras Lima (Lelé) e construído no tempo recorde de 14 dias, na gestão de Mário Kertész, o edifício inaugurado em 1986 prevê a própria transitoriedade. Mas isso porque, erguido sobre uma garagem (hoje Centro Cultural da Câmara de Vereadores), poderia, no futuro, apropriar-se do próprio espaço dela e tornar-se, no dizer do arquiteto, “mais funcional”. Seja como for, desde aquele período a construção suscita debates, escárnios e admirações (também internacionalmente) e, mesmo que o próprio Lelé lamentasse que “até hoje o prédio não aparece nos cartões-postais”, fato é que ele se impôs como peça marcante do centro histórico e da paisagem urbana da cidade. E conseguiu o seu maior propósito: recentralizar a prefeitura, na época situada em Brotas, estabelecendo de novo “a primeira praça dos três poderes do Brasil”, como enfatiza o ex-prefeito.

Em fevereiro de 2019, uma decisão judicial determinou o desmonte do edifício, argumentando que fora erguido sem autorização do Instituto Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Mas não é a primeira vez que se tenta desfazer a obra de Lelé. Em longo depoimento para a série “O Que é Ser”, da editora Record, o arquiteto lembra que, durante a gestão de Antonio Imbassahy, outro projeto chegou a ser apresentado. Destacando a delicadeza do gestor, Lelé diz que não criou objeções para a substituição. “Aí aconteceu o seguinte. Nesse período, o PFL elegera no Rio Luiz Paulo Conde, que também estava fazendo um trabalho de recuperação do centro histórico e havia contratado dois arquitetos importantes nessa área, o português Nuno Portas e o espanhol Oriol Bohigas. Vieram dar consultoria, principalmente no aspecto histórico, e Imbassahy chamou os dois para opinar sobre essa questão da mudança do prédio. Eles foram radicalmente contra. O prefeito desistiu, resolveu dar uma pintura no prédio, mas foi por influência desses dois arquitetos”.

Seja como for, mérito de Imbassahy, que soube ouvir especialistas gabaritados. Em entrevista recente à Rádio Metrópole, o ex-prefeito lembrou que a ocasião reuniu também o arquiteto Frank Gehry, que projetou o Museu Guggenheim, ícone da arquitetura mundial. “E essas três personalidades importantes foram contra a substituição, argumentando que não precisava ter necessariamente, naquele espaço, alguma coisa que reconstituísse o passado”, disse. Imbassahy citou ainda, como exemplo, o Centro Georges Pompidou, em Paris, a famosa “pirâmide do Louvre”, que “no início foi impactante, mas depois foi sendo absorvida, por estabelecer o diálogo entre o novo e o antigo”. Aliás, internacionalmente, o Palácio Thomé de Sousa também é citado como referência no mesmo sentido. “Agora mesmo [2004], num estudo que estão fazendo do centro histórico na Alemanha, pediram o projeto da prefeitura. Saiu na revista francesa L'Architecture D'aujourd’hui com uma importância enorme”, atestou Lelé no livro citado.       

A discussão, por sinal, é antiga em si mesma. Quando Oscar Niemeyer apresentou o projeto do Hotel Ouro Preto, lá nos anos 1930, a reação foi semelhante. Preferiam uma proposta neo-colonial, para supostamente combinar melhor com “o estilo das casas” da cidade histórica. Foi quando Lúcio Costa enviou uma carta ao Diretor do SPHAN, Rodrigo Mello Franco de Andrade, que nos cai como uma luva. Infelizmente não temos espaço para reproduzir na íntegra. Fica esse trecho: “De excepcional pureza e de muito equilíbrio plástico, [o projeto] é na verdade, uma obra de arte e, como tal, não deverá estranhar a vizinhança de outras obras de arte, embora diferentes, porque a boa arquitetura de um determinado período vai sempre bem com a de qualquer período anterior, - e o que não combina com coisa nenhuma é a falta de arquitetura”.

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