
Cultura
Lei da pontualidade nos cinemas acende alerta e pode custar caro ao audiovisual de Salvador
Nova lei busca pontualidade nas salas de cinema, mas profissionais da área alertam que a medida ignora a lógica econômica do setor e pode acabar prejudicando quem tenta sobreviver diante do streaming

Foto: Reprodução/Freepik
O prefeito de Salvador, Bruno Reis (União Brasil), sancionou uma lei que determina que as salas de cinema da capital iniciem os filmes exatamente no horário divulgado na programação. A norma, publicada no Diário Oficial, pretende garantir precisão suíça ao espectador. Mas, na prática, soa mais como uma tentativa de regular com lupa um setor que já enfrenta dificuldades e cuja sobrevivência depende justamente do que a lei tenta cortar: o tempo antes do filme começar.
Segundo o texto aprovado, trailers, comerciais e propagandas institucionais terão que ser exibidos antes do horário informado ao público. A justificativa usada é que a medida significaria respeito ao tempo do cidadão e contribuição para uma melhor organização dos serviços culturais na cidade.
Na teoria, é uma vitória contra atrasos; na realidade, é um arranhão profundo no modelo econômico dos cinemas, que vivem dos minutos vendidos a anunciantes, marcas, distribuidoras e patrocinadores. Cortar trailers e comerciais do horário exibido significa mexer numa das principais fontes de receita das salas, o que, no contexto de recuperação pós-pandemia e competição com o streaming, pode ser decisivo.
A lei é fruto de um PL do vereador Randerson Leal. Ao passar pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Municipal, o texto recebeu da vereadora Aladilce Souza uma observação sobre a possibilidade de impacto na sustentabilidade econômica do setor. Apesar de aprovar o projeto, a vereadora recomendou debate com a sociedade e a indústria criativa para conciliar o que o PL chamava de "direito público" com a sustentabilidade dos cinemas.
Cinemas temem queda de receita
Não se trata apenas de organização: trata-se de dinheiro e sobrevivência. O dispositivo prevê advertência na primeira infração, multa de R$ 5 mil na reincidência e, se a “desobediência” persistir, suspensão do alvará por até 30 dias. A Codecon ficará responsável por fiscalizar a novidade, que entra em vigor em 60 dias. Tudo isso para corrigir um “problema” que, segundo profissionais do audiovisual, nunca foi exatamente um problema - e sim parte da própria experiência cinematográfica.
Mudança na experiência
No setor cultural, a reação não foi de aplauso. E a crítica não tem apenas natureza apenas econômica, mas também estética ou afetiva. O gestor cultural Fernando Guerreiro foi direto ao classificar a lei como desconectada da realidade:
“Eu acho que é uma maluquice. Isso deve ter sido elaborado por alguém que não é da área. O trailer faz parte do ritual cinematográfico. Ninguém vai ver um filme achando que ele vai começar na mesma hora. Isso já é uma tradição desde que o cinema é cinema”.
Guerreiro ainda reforça esse ponto ao contextualizar o impacto no mercado: “Vai prejudicar profundamente o mercado de audiovisual, no momento em que está em franca ascensão, gerando mais recursos do que a própria indústria automobilística”.
Enquanto os apoiadores da lei celebram a “pontualidade cinematográfica”, quem vive do audiovisual observa que, em vez de fortalecer o setor cultural, a medida pode acabar impondo custos adicionais, reduzindo receitas e ainda criando insegurança para cinemas de bairro, que já operam com margens apertadas.
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