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O início da morte e do ciclo de violência do feminicídio

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O início da morte e do ciclo de violência do feminicídio

Essa brutalidade levou à morte 1.319 mulheres somente em 2021 por feminicídio. Muitas delas em casa, na frente dos filhos. É a barbárie medieval seguida à risca em pleno século 21

O início da morte e do ciclo de violência do feminicídio

Foto: Sidney Falcão - Metropress

Por: Nardele Gomes no dia 30 de junho de 2022 às 12:11

Reportagem publicada originalmente no Jornal da Metropole em 30 de junho de 2022

"Ninguém é mais arrogante em relação às mulheres, mais agressivo ou desdenhoso, do que o homem que duvida de sua própria virilidade". A frase de Simone de Beauvoir, filósofa francesa nascida na primeira década do século passado, é relativamente recente do ponto de vista do caminhar da história. Essa arrogância, a agressividade e o desdém pela condição feminina são bem mais antigos, sabemos, e se mantém intactos.

Essa brutalidade levou à morte 1.319 mulheres somente em 2021 por feminicídio. Não estamos falando de mulheres mortas em latrocínios, acidentes, doenças cardíacas. A maioria dessas 1.319 mulheres foi morta por seus maridos, namorados, ex-companheiros. Muitas delas em casa, na frente dos filhos. É a barbárie medieval seguida à risca em pleno século 21.

Toda mulher já foi vítima de algum tipo de violência ou assédio ou conhece outra mulher próxima que tenha sido. Quantos homens que você conhece já agrediram ou assediaram outra mulher? Onde está escondida essa violência? Por quantos tem sido acobertada?

Não é fácil encarar o relacionamento abusivo de frente. As histórias clássicas de violência doméstica não ajudam. São caricatas, estereotipadas, distantes de nós. Em geral retratam famílias pobres, homens bêbados, socos e chutes diários. Esses casos existem e são muitos. Mas o soco, o quebra quebra em casa e a ameaça também acontecem entre uma ida ao cinema e um jantar de desculpas.

Espreita endereços variados, de todas as classes sociais, de todos os níveis de escolaridade. E mata. Muito. Em casa, na rua, no ambiente de trabalho. E quando não mata humilha, estupra, condena à depressão e isolamento, apavora, mutila a alma. Não é mais tempo de passar pano ou silenciar diante desta barbárie.

Toda vez que um homem violento é acobertado por sua família receosa do julgamento social, uma mulher é condenada à prisão dentro de si mesma. Seus filhos são condenados a repetir o comportamento violento no futuro, e o ciclo de violência se perpetua.

Toda vez que uma mulher é responsabilizada por ter sido vítima da violência de um homem, outras tantas decidem silenciar por medo e vergonha, e o ciclo de violência se perpetua.

Toda vez que um amigo nosso faz uma piada machista e ninguém se manifesta, outros tantos se sentem protegidos pela hipocrisia e pelo silêncio, e o ciclo de violência se perpetua.

É hora de focar em mudar a mentalidade. Chega de passividade diante dessa violência que mata. É hora de meter a colher e desandar essa receita amarga servida há séculos. Estamos fazendo a nossa parte. E vamos precisar de todo mundo.