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Morte a todo vapor: PL acende alerta para possível liberação de cigarros eletrônicos
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Morte a todo vapor: PL acende alerta para possível liberação de cigarros eletrônicos
Com 100 vezes mais nicotina e substâncias cancerígenas, vapes têm atraído crianças e adolescentes
Foto: Agência Brasil/Joedson Alves
Matéria publicada originalmente no Jornal Metropole em 22 de agosto de 2024
Se de um lado a Medicina tem virado um espetáculo de negacionismo tão flagrante que poderia render um bom reality show; do outro, a ética e a saúde pública não são tratadas como artigo de luxo. Muito pelo contrário, são motivos para a luta contra a regra que parece transformar a saúde em um negócio. A batalha contra os cigarros eletrônicos é uma delas, principalmente após um projeto de lei que pretende permitir a venda desses dispositivos, que trazem uma roupagem mais atraente e novos riscos para a dependência do tabaco, responsável pela morte de 8 milhões de pessoas por ano no mundo.
Uma conta que não fecha
A proposta de regulamentação desses dispositivos, que hoje são proibidos pela Anvisa, é encabeçada pela senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS). Na última terça-feira (20), o texto quase chegou a ser votado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, mas, em meio à troca de farpas entre os parlamentares, foi adiado para o próximo dia 3 de setembro. Uma das justificativas apresentadas no projeto é que a regulamentação traria uma arrecadação de R$ 2,2 bilhões aos cofres públicos.
O problema é que a conta não fecha quando se analisa os gastos atuais do tratamento dos jovens que fazem uso dos pods e gastos futuros ocasionados pela facilidade de acesso a esses dispositivos com a regulamentação. Quem aponta isso é a pneumologista Margareth Dalcolmo, defensora da proibição desses produtos. “Como podemos pensar em arrecadar impostos à custa de vidas humanas? Vamos começar a tratar jovens com câncer de pulmão aos 30 anos”, alertou.
A luta de combate aos vapes esbarra em um lobby milionário em cima da pauta. Os números dessa indústria ainda são nebulosos, mas, para se ter uma ideia, só em 2019, os cigarros representaram R$ 14,478 bilhões em tributos. Imaginem a receita dessas empresas e a pressão que elas podem causar no Congresso.
Foto: Reprodução/canva
Do cafona para o moderno
Vapes, pods, e-ciggy, e-pipe. Os nomes são fofos. Os formatos também. Pequenos, modernos,coloridos, como canetas, como frasquinhos de perfume e pen-drive. Os sabores então, nem se fala. Chocolate, pipoca, algodão doce. E estão por todas as partes, na porta de qualquer bar ou balada e até na entrada de colégios. Se esse já é o cenário com a proibição da Anvisa, autorizados, eles irão estar literalmente na boca da juventude, porque esse é o público visado pelas indústrias. Os formatos, sabores e cores não são à toa. Se o cigarro tradicional se tornou cafona para os jovens, hoje os eletrônicos chegaram para atrair esse público para o perigo.
Oncologista torácica, Tércia Reis tem uma opinião muito direta sobre essa estratégia que tem como foco crianças e adolescentes: é uma pressão criminosa. Fazem deles os alvos mais vulneráveis nesse ciclo ainda mais vicioso. De acordo com a médica, um cigarro eletrônico pode ter até 100 vezes mais nicotina do que um cigarro branco. Por isso, hoje basta uma busca rápida em redes sociais para encontrar vídeos de menores fazendo uso dos vapes.
“O Brasil era um país referência na cessação do tabagismo, com uma boa implementação de políticas públicas. Na década de 1980 e 1990, a gente tinha quase 40% da população que fumava e reduzimos para 13%, mas sem contar com cigarro eletrônico. A sensação agora é de um retrocesso completo e de uma outra pressão da indústria, de uma forma criminosa, voltado para crianças e pros adolescentes”, acrescentou a oncologista em entrevista à Metropole.
Envolto numa fumaça mortal
Ainda é nebulosa a composição dos pods, muitas das suas centenas de substâncias sequer vêm indicadas na embalagem. Mas já se sabe que, além da nicotina, muitas delas são tóxicas. Aquele vapor e sabor adocicado nada tem de inofensivo. A Universidade Federal de Santa Catarina e a Polícia Científica do estado, por exemplo, conseguiram identificar em uma pesquisa a octodrina, substância da anfetamina e com efeitos semelhantes. A droga foi encontrada em três marcas que circulam no Brasil. Há ainda uma série de substâncias cancerígenas identificadas em outros estudos. Por isso, 80 entidades médicas já se reuniram e assinaram uma carta contra o PL da regulamentação.
Bombando no mercado da ilegalidade
No assunto ilegalidade, os esteróides anabolizantes são um verdadeiro show à parte. Vendidos como se fossem vitaminas, é fácil acreditar que são legais. Também estão por toda parte: na internet, nos banheiros de academia e até prescritos por médicos, disfarçados como “reposição hormonal”. A coisa é tão escancarada que até deputado já fez propaganda para a maior fábrica de anabolizantes ilegais do Brasil.
Mesmo com a proibição do Conselho Federal de Medicina desde 2023, que impede o uso para fins estéticos ou de desempenho, o mercado de anabolizantes - ou suco, como é popularmente conhecido - continua a bombar. Segundo dados da Anvisa, só entre 2019 e 2012, houve um aumento de 45% na venda dos três principais anabolizantes industrializados (testosterona, cipionato de testosterona e undecilato de testosterona).
Para alguns especialistas, um dos principais problemas está nos profissionais que, deixando a ética de lado, prescrevem essas bombas de hormônios e provocam um festival de efeitos colaterais: tumores no fígado, hipertensão, alterações no colesterol, além de um show de horrores para a saúde mental.
O hepatologista Raymundo Paraná, um dos mais críticos dessa prática, é um dos embaixadores do projeto #BombaToFora, que reúne especialistas de diversas áreas, inclusive da Educação Física, para lutar contra o uso desses anabolizantes. Para ele, a medicina vive uma crise ética que perpetua a prescrição desses produtos. “Estamos numa crise de princípios. Geralmente, o perfil de prescritores é aquele que despreza a medicina baseada em evidências. A autonomia médica precisa ser revista, e urgente. O médico não tem autonomia para fazer mal a ninguém. Ele não tem autonomia para usar e desprezar a ciência e a evidência científica de forma alguma “, criticou.
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