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Dos bordéis no Centro Histórico às plataformas digitais, prostituição reflete transformações do desejo e da cidade
Dos antigos bordéis no Centro Histórico aos night clubs e plataformas digitais, a prostituição em Salvador reflete as transformações do desejo e da cidade
Foto: Acervo JB
Matéria publicada originalmente no Jornal Metropole em 8 de maio de 2025
Antes de virar tema de denúncia ou alvo da moral seletiva, a prostituição era só mais uma profissão — e, diga-se sem meias palavras, uma das mais antigas na história da humanidade. Em Salvador, ela já foi ponto no mapa da cidade, local para rituais de passagem de adolescentes, tradição de esquina e fonte de sobrevivência camuflada sob o verniz do Centro Histórico. E mesmo quando tudo era velado, a prática nunca foi segredo.
Jornalista, escritor, poeta, agitador cultural e personalidade conhecida da boemia soteropolitana, Clarindo Silva lembra que, até meados da década de 1940, o Centro Histórico da capital baiana ainda era considerado o coração financeiro da cidade — pouco antes de começar a perder força econômica com a migração das elites para outras regiões. Era também um território onde se "quase mapeava as áreas de prostituição".
Existiam os prostíbulos, claro — “os cômodos onde as profissionais recebiam os clientes” —, mas havia também um código silencioso nas ruas. “A forma de abordar o cliente era simples: pedia-se um cigarro”, conta Clarindo. O cigarro acendia mais que o fumo; era o pavio da negociação.
Clarindo também narra o ciclo de repressão e convivência com a polícia. “Tinha noites em que a viatura saía cheia. Seis, oito, dez mulheres. Ficavam presas um ou dois dias, às vezes só dormiam lá.” Pernoitavam em celas, acordavam nas ruas — o vai e vem de quem sempre esteve ali, entre o risco e a resistência.
De pai para filho
A prostituição em Salvador era parte da educação sentimental de muitos meninos. Quem conta é o cantor e compositor Waltinho Queiroz, que aos 80 anos revisita com franqueza o que muitos preferem esquecer. “Os pais achavam, em nome de uma confirmação do gênero sexual, que os filhos tinham que se iniciar com prostitutas. Era um valor vital”, filosofa.
Os prostíbulos ficavam nos arredores da Praça da Sé, na Rua das Laranjeiras e Ladeira da Montanha, onde as profissionais do sexo esperavam seus clientes sentadas, conversando e tomando uma birita. E se para alguns pagar era regra, para os garotos havia a chance do "facinho". Ou seja, transar sem pagar, apenas pelo frescor da juventude e da lábia. Era façanha para contar aos amigos, rito masculino de passagem.
Havia o medo da sífilis, mas ele nunca suplantou o desejo. A cidade dormia cedo sob os apitos dos guardas noturnos, mas o submundo permanecia acordado, entre sombras, sons e segredos. A moral era rígida, os namoros vigiados e os casamentos precedidos de pedidos formais. Mesmo assim, a prostituição respirava entre os becos.
Os anos 1960 bagunçaram tudo. Veio o desbunde, os hippies, os Beatles, a contracultura. “Todos os valores preservados pelos nossos pais e pelas nossas gerações entraram em xeque”, lembra Waltinho. A moral da varanda deu lugar à liberdade da rua. E se antes só se transava casado, agora se fazia por vontade — ou por cartão perfurado na dança. O prazer deixou de ser escondido.
Os bordéis como palcos da boemia e da cultura
Presidente da Fundação Gregório de Mattos, o diretor de teatro Fernando Guerreiro compartilha uma memória afetiva e cultural dos tempos em que a boemia soteropolitana florescia nos bordéis do centro da cidade. Ele recorda que, em uma época anterior à sua, o local onde hoje funciona o Teatro Gregório de Mattos abrigava o lendário Tabaris - casa de shows frequentada pela elite, situada em um espaço próximo à Ladeira da Montanha que simbolizava a integração entre a vida noturna e a cultura local.
"A boemia, na verdade, era algo que misturava a prostituição, que dificilmente era chamada dessa forma, com a vida cultural da cidade", observa Guerreiro. Nesses bordéis, era comum encontrar artistas e orquestras, tornando-os centros de efervescência cultural frequentados pela elite intelectual de Salvador.
Com o tempo, essa atmosfera romântica e cultural dos bordéis foi se dissipando. Guerreiro lamenta que a prostituição tenha perdido o charme de outrora, tornando-se uma atividade mais marginalizada e menos integrada à vida cultural da cidade.
Foto: Acervo JB
Literatura imortaliza antigos bordéis
Ao falar sobre a boemia dos antigos bordéis de Salvador, Guerreiro também evoca a memória literária de Jorge Amado, para quem esses espaços eram cenário e símbolo de uma cidade viva e contraditória. A literatura do mais conhecido escritor baiano oferece um retrato vívido e humanizado dos bordéis e das prostitutas não só de Salvador, mas do Sul da Bahia movido pelo dinheiro do cacau.
Em "Gabriela, Cravo e Canela", entre outros romances, o autor apresenta personagens como Maria Machadão, a cafetina do Bataclan, famoso cabaré de Ilhéus que se tornou símbolo da cultura local. Frequentado por coronéis do cacau e intelectuais, é descrito como um espaço onde negócios e prazeres se entrelaçavam, refletindo a complexa teia social da época.
Amado também defendeu publicamente a dignidade das prostitutas, afirmando que "nos meus livros, o amor nunca degradou ninguém, nunca foi fonte de tristeza e de degradação. Ele é sempre limpo e alegre" . Sua abordagem literária contribuiu para uma visão mais respeitosa das profissionais do sexo, reconhecendo seu papel na sociedade e na cultura baiana.
Novos tempos do comércio sexual
O tempo do Tabaris e dos bregas da Ladeira da Montanha passou. Hoje, é muito difícil encontrar espaços com a mesma atmosfera em Salvador ou até em cidades do interior, onde foram comuns e parte do cotidiano. Em contrapartida, a lacuna foi preenchida por novas formas no negócio do sexo.
É o caso dos night clubs que ainda piscam suas luzes de neon em pontos da orla, especialmente na Boca do Rio. É só pagar para entrar ou para consumir bebidas a preços bem acima do mercado, combinar o cachê com a profissional da preferência e, claro, pagar a taxa da casa.
Há também os puteiros de luxo, onde os frequentadores torram boas quantidades de dinheiro em noitadas pra lá de quentes. O mais conhecido de todos, a Platinum, está situado em frente ao novo Centro de Convenções e ao lado da churrascaria Boi Preto, à vista de todos. Lá, uma garota de programa pode custar mais de R$ 1 mil por hora. Fora o quarto e comidas e bebidas vendidas a preços bem acima do mercado.
A revolução digital também mudou o mercado. Atualmente, é possível contratar uma profissional do sexo de alto padrão em sites como o Fatal Models, o maior do ramo no Brasil. O faturamento é tão bom que os donos da página se tornaram patrocinadores máster de times conhecidos. Entre os quais, o Vitória.
Para quem se contenta apenas com o sexo virtual, sem contato entre peles e fluidos, pode usar os serviços do OnlyFans, principal plataforma de compartilhamento pago de fotos que se tornou conhecido por permitir a venda de nudes, vídeos eróticos e transmissões ao vivo de conteúdo adulto.
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