Jornal Metropole
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O plano de conter nascimentos em nome do ‘desenvolvimento’ deixou um rastro de esterilizações forçadas, racismo institucional e previsão de crises e desequilíbrio no país
Foto: Divulgação
Matéria publicada originalmente no Jornal Metropole em 22 de maio de 2025
O Brasil colhe hoje os frutos podres de uma política de controle populacional imposta a sangue e ferro entre os anos 1960 e 1980, um período marcado por esterilizações forçadas, racismo institucional e profundo abuso de poder, camuflados de planejamento familiar. Em 2023, o país registrou o menor número de nascimentos desde 1977, e as projeções mais recentes indicam que a população brasileira começará a encolher a partir de 2042. O que foi vendido como solução mágica para o “desenvolvimento nacional” hoje compromete o futuro de um país que há anos não sai da promessa de “país do futuro” e já traz desequilíbrio no sistema previdenciário, na Saúde e no mercado de trabalho.
Com cúmplices fardados
As políticas de controle populacional tiveram início de forma mais sistemática nos anos 1960, durante o regime militar. Em um país com aproximadamente 11 habitantes por km², como naquela época, uma política para diminuir a natalidade da população só poderia ter intenções genocidas e contornos racistas e elitistas. Mas era sob o pretexto de “desenvolvimento”, que a ditadura agia como cúmplice ativa e executora fiel de um plano internacional, seguindo à risca o manual escrito pelos EUA com políticas agressivas de controle populacional alinhadas aos interesses geopolíticos dos norte-americanos.
Promessa de progresso e plano de antidesenvolvimento
Não é conversa conspiracionista. Uma prova contundente é o “Memorando-Estudo de Segurança Nacional-200” (NSSM-200) do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, coordenado pelo então secretário de Estado Henry Kissinger. Para ele, uma população crescente só poderia levar à instabilidade econômica e política. O documento citava 13 países-chave ou alvos (entre eles, o Brasil), que precisavam ser submetidos a rígidos programas de redução populacional por conta do seu potencial crescimento e da ameaça que isso poderia significar aos Estados Unidos em termos políticos, econômicos e até comerciais.
Violência bancada no dólar
Foi aí que entraram, para financiar as chamadas políticas de planejamento familiar no Brasil, organismos oficiais, como a USAID (Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional), e até fundações privadas. É o caso da Ford Foundation, da Population Council e da IPPF (International Planned Parenthood Federation), da família Rockefeller, cuja subsidiária brasileira - Sociedade de Bem-Estar Familiar - foi responsável por vários programas de esterilização no país. Tudo isso, vendendo a ideia de que menos bebês significaria um futuro mais próspero.
Laqueaduras na marra e uma geração estéril
Mas quem dera fosse só vender uma ideia. No lugar de educar a população para que ela controlasse sua natalidade, o método foi violento. Era, em muitos casos, esterilização na marra ou na base da manipulação. Entre as décadas de 1970 e 1990, eram comuns relatos de mulheres que passaram por laqueaduras sem consentimento, especialmente nas regiões Norte e Nordeste, em hospitais públicos, clínicas conveniadas e ações de saúde comunitária. As vítimas mais frequentes, claro, eram mulheres negras, indígenas ou pobres, que tinham sua fertilidade tratada como um problema social. Em muitos casos, a esterilização era usada como moeda de troca por atendimento médico, cesáreas ou como condição para manter empregos.
Já nos anos 1990, os números mostravam: 45% das brasileiras em uniões estáveis foram laqueadas, e cerca de 20% delas tinham menos de 25 anos na
época, segundo apontou a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde de 1996, feita pelo Ministério da Saúde.
Racismo e eugenia, o tempero de sempre
Na prática cruel, o chamado “planejamento familiar” revelou-se, além de violenta, uma política eugênica e profundamente racista. Em Salvador, por exemplo, a campanha de inauguração de um dos centros de reprodução humana, fundado pelo mais conhecido dos médicos defensores do controle populacional, trazia estampado em outdoors propagandas de mãe e crianças negras seguida da frase “defeito de fábrica”.
Médico de renome e influência
O ginecologista baiano Elsimar Coutinho foi um dos mais conhecidos defensores dessa política de controle de natalidade. Ele foi o fundador do Centro de Pesquisa e Assistência em Reprodução Humana (CEPARH), que promoveu - além de campanhas publicitárias com suposto teor racista - métodos contraceptivos hormonais em larga escala com apoio internacional. Só entre 1988 e 1990, seu orçamento foi de 8,3 milhões de dólares.
“Fim da violência com violência”
Ironicamente, para Coutinho essa política violenta contra as mulheres tinha sido uma das responsáveis por diminuir os índices de violência no estado. Ele já chegou a dizer, em entrevistas, que outras capitais, como Recife, só eram tão violentas porque não tinham o Ceparh e nem ele.
Como escambo eleitoral
Quem ganhou com essa política de esterilização não foram só empresas farmacêuticas e de saúde financiadas por fundações internacionais interessadas em frear o crescimento populacional de outros países a qualquer custo. Em vez de investir em educação sexual e planejamento familiar consciente, a classe política também transformou o controle populacional em moeda eleitoral barata. A CPMI da esterilização, nos anos 1990, foi fruto justamente de denúncias e estudos que apontavam as laqueaduras como escambo eleitoral para vereadores e deputados, sobretudo em áreas mais carentes do país. Na ocasião, depoimentos como do próprio Elsimar Coutinho e de integrantes do Conselho Federal de Medicina mostravam a indiferença ao assunto.
Garantia de Mandato
Em diversos estados, inclusive na Bahia, políticos conseguiram se eleger levantando a bandeira do controle familiar como principal projeto
Um futuro comprometido e um presente em desequilíbrio
E os frutos estão sendo colhidos: com a queda da natalidade, o país se depara com uma população idosa e uma força de trabalho encolhendo. O que isso significa? A Europa pode ser a resposta. Na França e Reino Unido, o número elevado de idosos já ampliou gastos públicos com aposentadorias, mas os governos enfrentam resistência da população para ampliar a idade mínima de aposentadoria e reequilibrar o sistema. O desequilíbrio na Saúde, já sentido no Brasil, também está dentro da previsão. Afinal, o envelhecimento populacional exige maior investimento em saúde preventiva e no próprio SUS.
Legado de retrocesso
O método violento de esterilizações passou por cima da necessidade de educar a população para controlar sua própria natalidade, e sequer entregou a promessa de progresso e redução da probreza. Muito pelo contrário, agora traz em seus rastros uma história de violência institucional e previsão de retrocessos. Afinal, com a força de trabalho envelhecendo, a produtividade e a inovação dos mercados também serão afetadas e, com eles, o “desenvolvimento” utilizado para justificar o tal controle populacional.
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