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Demolições, pichações e escavações acendem alerta sobre ataques a espaços religiosos em Salvador
Casos recentes envolvendo terreiros ocorrem em meio ao aumento de denúncias de intolerância na Bahia
Foto: Acervo pessoal
Matéria publicada originalmente no Jornal Metropole em 24 de julho de 2025
Espaços sagrados de religiões de matriz africana em Salvador têm sido alvo de intervenções e ataques nos últimos meses. Pelo menos três ocorrências distintas foram registradas neste ano: a demolição de um terreiro no Parque de Pituaçu, a pichação no muro da Casa de Oxumarê e denúncias de escavações irregulares em área considerada sagrada por 17 comunidades religiosas. Os episódios acontecem em meio a um crescimento expressivo nas denúncias de intolerância religiosa na capital e em toda a Bahia.
Intolerância em alta
De acordo com dados da Polícia Civil, os registros de intolerância religiosa na Bahia aumentaram de 348 em 2022 para 640 em 2024 — quase o dobro em apenas dois anos. Em Salvador, as denúncias passaram de 106 para 222 no mesmo período.
Terreiro expulso
O caso mais recente ocorreu no último dia 9 de junho, quando o terreiro Ilê Axé Oya Onira'D, localizado no Parque de Pituaçu, foi demolido pelo Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema). Segundo representantes do local, a ação aconteceu sem aviso prévio. A ialorixá Deijane dos Santos afirma que o grupo já havia encaminhado à autarquia documentos de compra e venda da área onde o templo funcionava há oito anos, mas não adiantou.
O Inema, por sua vez, alega que o imóvel estava em Área de Proteção Permanente (APP), com risco ambiental por descarte inadequado de resíduos e possível contaminação do solo. O órgão também afirmou ter notificado os ocupantes em janeiro deste ano e justificou a intervenção como necessária não só para a preservação da Mata Atlântica urbana, mas também para a futura instalação de uma estação elevatória de esgoto. Segundo o órgão, foi concedido um prazo de 15 dias para que a comunidade realizasse os rituais religiosos de transferência dos assentamentos e objetos sagrados. Os materiais teriam sido, segundo o Inema, catalogados e guardados em uma sala fechada na administração do Parque, onde ficaram aguardando a retirada por parte da comunidade.
Mas a forma como a demolição foi realizada virou motivo de indignação para os integrantes da religião. Eles relatam que objetos sagrados foram deixados no chão após a derrubada do terreiro e apontam um desrespeito aos rituais e símbolos tradicionais. Mas não é só isso. Mais de um mês depois, a ialorixá Deijane dos Santos conta que muitos dos objetos estão sendo guardados nas casas dos integrantes, porque foi prometido uma nova área para o terreiro, que posteriormente foi negada. “Eles levaram coisas nossas, temos itens debaixo dos escombros que não conseguimos recuperar mais. Eles se acham no direito de chegar, expulsar a gente, derrubar tudo, destruir os sonhos da gente, e isso está feito”, lamentou.
Pedido de ajuda
O episódio foi denunciado à Delegacia Especializada de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa (Decrin) e ao Ministério Público da Bahia (MP-BA), que abriu uma investigação e solicitou informações ao Inema, à Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) e à Secretaria de Administração do Estado (Saeb).
Contra as paredes sagradas
Outro caso que teve repercussão recente foi a pichação do muro da Casa de Oxumarê, na Avenida Vasco da Gama, no dia 18 de maio. Um homem identificado como membro da Torcida Organizada Bamor foi filmado escrevendo a sigla do grupo no espaço sagrado. A Casa de Oxumarê emitiu nota classificando a ação como ataque à liberdade religiosa. A própria torcida repudiou a atitude, afirmou que o ato não representa seus princípios e se comprometeu a pintar o muro.
Templos no abismo
Se pichar muro não é o bastante, ainda na capital baiana, há escavações que podem ameaçar áreas sagradas para o povo de santo. Ainda não se sabe quem está por trás das obras no bairro de Fazenda Grande do Retiro 4, mas elas são alvo de investigação desde o início do ano. Chegaram até a serem paralisadas por resistência da comunidade religiosa, mas foram retomadas em novembro de 2024. A denúncia da Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro Ameríndia (AFA) é que as escavações acontecem em uma área considerada sagrada por pelo menos 17 terreiros e podem provocar risco de desabamento para muitos deles.
Presidente da AFA, Leonel Monteiro conta que um assentamento coletivo de mais de 40 anos de um caboclo e uma nascente sagrada onde se fazia rituais já foram foram destruídos pelas escavações. “Por consequência dessa ação inconsequente, 17 terreiros ficaram lá pendurados nos abismos criados pela escavação severa do terreno. Embora a origem da ação não tenha sido o racismo religioso ou a intolerância, acabou atingindo em cheio as religiões de matriz africana”, afirmou.
O caso atualmente está sob apuração da Decrin, que já ouviu testemunhas e pediu dilação de prazo para concluir o inquérito.
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