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Com 86 resgates em 10 anos, trabalho análogo à escravidão se infiltra em obras, casas e ruas de Salvador e RMS
Resgates recentes apontam para permanência do problema em cidades grandes
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
A ideia de que o trabalho análogo à escravidão é uma herança do passado rural, distante das cidades, já não resiste aos números nem à realidade. Nos últimos dez anos, Salvador teve ao menos 86 pessoas resgatadas em situações semelhantes à escravidão, segundo levantamento do Metro1 através da plataforma SmartLab, uma iniciativa do Ministério Público do Trabalho (MPT) em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Em 2014, ano com mais casos, 40 trabalhadores foram libertados. Durante a pandemia, quando os olhos estavam voltados para outras urgências, 14 pessoas foram resgatadas. Na Região Metropolitana (RMS), o cenário é ainda mais alarmante. Só em Camaçari, 163 trabalhadores chineses foram encontrados nessa situação no fim de 2024. Também houve nove resgates em Simões Filho em 2022, quatro em Lauro de Freitas em 2020 e cinco em Mata de São João (2018).
Análise da Lista Suja: o que revelam os documentos
A reportagem do Metro1 analisou documentos da chamada “Lista Suja” do trabalho escravo – cadastro oficial do governo federal – e identificou registros que desmontam o imaginário de que a escravidão moderna se restringe a locais afastados. No Centro de Salvador, um caso de trabalho doméstico em condições degradantes foi registrado em uma residência. Em Simões Filho, uma situação semelhante foi flagrada numa fazenda próxima à área urbana. Feira de Santana também aparece com destaque, especialmente em bairros periféricos e zonas de expansão urbana. A análise mostra que o trabalho escravo atual se esconde onde menos se espera: dentro de casas, canteiros de obra e pequenas empresas no meio da cidade.
Mudança de perfil das vítimas
De acordo com o MPT, “o perfil das vítimas resgatadas na capital e Região Metropolitana tende a diferir daquelas encontradas no interior”. Enquanto no campo predominam trabalhadores rurais, nas cidades é comum encontrar “trabalhadoras domésticas, ambulantes, trabalhadores da construção civil e da indústria têxtil, frequentemente migrantes em busca de melhores oportunidades”. Os alvos são, em geral, pessoas em situação de vulnerabilidade, inseridas na informalidade.
Invisibilidade como estratégia
O crescimento dos casos em áreas urbanas também se explica pela dificuldade de identificação. Como afirmou o MPT, “a invisibilidade do trabalho análogo à escravidão se deve a diversos fatores, como a informalidade, a terceirização, a falta de informação das vítimas e a dificuldade de acesso dos órgãos de fiscalização a determinados locais”. Em centros urbanos, esses trabalhadores muitas vezes vivem em quartos improvisados, sem documentos e com medo de denunciar. Há ainda resistência de empregadores e obstáculos legais que dificultam o acesso a espaços privados.
Foto: MTP/Divulgação
Engrenagem da fiscalização
A atuação das autoridades se articula em diferentes frentes. Segundo o MPT, “as operações de fiscalização em áreas urbanas são articuladas a partir de denúncias anônimas, investigações do MPT e da Polícia Federal, relatórios de inteligência e informações de outros órgãos, como sindicatos e organizações da sociedade civil”. As equipes são formadas por auditores fiscais do trabalho, procuradores e agentes da Polícia Federal. Após o resgate, as vítimas são encaminhadas para programas de assistência e qualificação profissional, como o programa Vida Pós-Resgate. O MPT busca também garantir o pagamento de indenizações por danos morais e materiais, além da responsabilização judicial dos empregadores.
Reincidência
A Bahia é o terceiro estado brasileiro com mais resgates de pessoas em condições análogas à escravidão nos últimos cinco anos: foram 1.605 trabalhadores libertados, atrás apenas de Minas Gerais (2.312) e Maranhão (1.736). Mesmo assim, há casos de reincidência, reconhecidos pelo MPT. Os setores mais envolvidos são a construção civil, a agropecuária e a produção de carvão vegetal. A escravidão moderna tem se mostrado cada vez mais visível, presente nos grandes centros, avenidas e vizinhanças urbanas.
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