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Fast food da beleza: Em 20 anos, Salvador salta de 138 para 13 mil clínicas de estética
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Fast food da beleza: Em 20 anos, Salvador salta de 138 para 13 mil clínicas de estética
Do mito das 365 igrejas ao império das 13 mil clínicas, Salvador vive o culto à estética

Foto: Reprodução/Freepik
Essa matéria é parte da reportagem especial publicada originalmente no Jornal Metropole em 4 de setembro de 2025
Esqueça essa lenda de que Salvador é a “cidade das igrejas”, com um templo religioso para cada dia do ano. Balela. Hoje, na capital baiana, vale muito mais “lipar” a barriga e “botocar” a cara do que rezar. A conexão com o divino fica em segundo plano. Se existem cerca de 370 igrejas, são mais de 13 mil clínicas de estética espalhadas pela cidade. É uma clínica para cada 200 moradores – tem para todo mundo, ou ao menos para quem quer e pode, uma espécie de fast food da beleza. Nesse balcão da vaidade, o discurso disfarça obsessão como autocuidado, e os pedidos são procedimentos que movimentam um mercado bilionário, ao custo da saúde física e mental.
Explosão de beleza padronizada
Quase dez mil por cento. Foi esse o crescimento do número de clínicas estéticas em Salvador nos últimos 20 anos: de 138 estabelecimentos ativos em 2005 para 13.029 em agosto deste ano, segundo dados da Secretaria da Fazenda da cidade (Sefaz). O cenário, claro, não é isolado, acompanha a tendência nacional, com o Brasil entre os maiores mercados mundiais de procedimentos estéticos, impulsionado pela popularização das cirurgias plásticas e técnicas invasivas.
Hambúrguer na chapa
Lipoaspiração, rinoplastia, mamoplastia, abdominoplastia e lipoescultura. Os nomes difíceis não assustam e estão entre os procedimentos mais procurados no Brasil. Mas têm ganhado espaço também as cirurgias combinadas, é o caso da tal “X-tudo” – que, como o nome simples sugere, coloca o corpo do paciente na chapa, faz cortes daqui, cortes dali, puxa carne de um lugar para o outro e, ao final, entrega um “hambúrguer completo” com vários procedimentos de uma vez só.
Compre uma ‘bisturada’ e leve duas: Nas redes sociais e até mesmo nas paredes do metrô de Salvador — pasmem —, cirurgias plásticas são anunciadas como se fossem promoção de fast food: “pra todo mundo”, sem contraindicação, sem consulta, sem pecado. Leia mais aqui sobre os "combos promocionais" de procedimentos estéticos e as irregularidades na publicidade médica.
É a casa da Mãe Joana: Dessas 13 mil clínicas, nem todas têm ou são dirigidas por médicos. Essa é justamente uma das preocupações do Cremeb. Leia mais sobre profissionais que atuam irregularmente nesse mercado e as sindicâncias abertas neste ano.
Na bandeja, um padrão inalcançável
O balcão da estética não vende apenas cirurgias e procedimentos: vende promessas de pertencimento, autoestima instantânea e corpos moldados num padrão inalcançável. E tem explodido nos últimos anos porque encontra fiéis obcecados pela “beleza” à base de seringa, bisturi e parcelas de 18 vezes sem juros. A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) estima que o Brasil realiza mais de 1,5 milhão de procedimentos estéticos por ano, isso significa lucro para esse mercado.
Para a psicóloga Izabelle Nossa, o fenômeno reflete um contexto cultural em que aparência virou exigência social. Redes como Instagram e TikTok não apenas exibem corpos, mas produzem padrões quase irreais – e agora turbinados por imagens criadas com inteligência artificial. “São modelos silenciosos de comparação, inatingíveis, mas que funcionam como régua de autoestima”, analisa. O resultado é uma corrida invisível: pessoas se sentem obrigadas a correr atrás de um ideal que nunca chega. Nessa lógica, o corpo passa a ser cartão de visitas — associado à juventude, sucesso, credibilidade profissional e até pertencimento social.
Se antes a pressão vinha das capas de revista ou da televisão, hoje ela está em cada deslizar de dedo. “Muitas vezes não são celebridades, mas pessoas comuns que parecem ter uma vida perfeita, um corpo perfeito. E isso mexe com a autoestima de muita gente”, diz. O problema é que a comparação é automática e incessante: basta assistir a um vídeo de beleza para o algoritmo inundar a tela com dezenas de conteúdos semelhantes. “É como se houvesse uma lupa sobre nossas inseguranças. Quanto mais eu vejo, mais sinto que estou ficando para trás.” Para a psicóloga, o vício nas redes aprofunda o ciclo, reforçando a lógica de que a aparência vale mais do que a experiência.
Essa reportagem abre a série Indústria do Vazio, da Metropole, que investiga a explosão na venda de produtos e procedimentos que oferecem autoestima e performance como se fossem mercadorias e soluções definitivas. A próxima matéria trará a febre de alimentos hiperproteicos.
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