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Cremeb já abriu 12 sindicâncias neste ano por irregularidades em procedimentos estéticos

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Cremeb já abriu 12 sindicâncias neste ano por irregularidades em procedimentos estéticos

Conselho de Medicina investiga irregularidades em procedimentos e alerta para atuação de profissionais não habilitados

Cremeb já abriu 12 sindicâncias neste ano por irregularidades em procedimentos estéticos

Foto: Reprodução/Freepik

Por: Ana Clara Ferraz, Fabiana Lobo e Ismael Encarnação no dia 04 de setembro de 2025 às 10:23

Essa matéria é parte da reportagem especial publicada originalmente no Jornal Metropole em 4 de setembro de 2025

Em Salvador, são mais de 13 mil clínicas de estética espalhadas pela cidade, uma explosão de quase 10.000% nos últimos 20 anos. Um avanço que vem impulsionado por um mercado bilionário e um discurso que vende obsessão como autocuidado, mas entrega risco à saúde física e mental. 

Só neste ano, o  Conselho Regional de Medicina da Bahia (Cremeb) já recebeu 12 denúncias relacionadas a procedimentos estéticos, que levaram à abertura de sindicâncias contra dermatologistas e cirurgiões plásticos, especialidades que mais atua m em procedimentos médicos. Entre elas, 11 estão em andamento e uma foi arquivada. 

Mas, dessas 13 mil unidades de clínicas estéticas, nem todas têm ou são dirigidas por médicos. A atuação de profissionais não habilitados nos procedimentos estéticos é uma das principais preocupações do Cremeb. Otávio Marambaia, presidente do conselho, chama atenção para o cenário: “o que temos observado nos últimos tempos é o crescimento da atuação de profissionais que não são médicos, muitos dos quais anunciam em redes sociais a realização de procedimentos estéticos sem a devida qualificação e habilitação legal. Essa prática é extremamente preocupante, porque o paciente, ao ver esse tipo de anúncio, pode acreditar que se trata de um médico, quando na verdade não é”, alerta .

Um exemplo recente: uma biomédica chegou ao ponto de realizar um procedimento conhecido como lipo de papada em uma paciente, em Vitória da Conquista. As complicações fizeram com que a paciente precisasse ser socorrida para um hospital, com risco de morte. A profissional foi indiciada pela Polícia Civil pelos crimes de exercício ilegal da medicina, lesão corporal grave por duas vezes e falsa identidade.

Para combater essa prática ilegal, o Cremeb vem ingressando com ações na Justiça, para obrigar os Conselhos de outras categorias a fiscalizarem as atuações de seus profissional.

A Justiça já tem dado alguns retornos: em março, a Seção Judiciária do Distrito Federal suspendeu trechos da resolução do Conselho Federal de Enfermagem que autoriza enfermeiros a realizar procedimentos como microagulhamento e criolipólise, reconhecendo que são atos privativos da medicina. Em outubro de 2024, foi a vez do Supremo Tribunal Federal também invalidar uma resolução do Conselho Federal de Farmácia que incluía a saúde estética como área de atuação de farmacêuticos, reafirmando a exclusividade dos médicos em procedimentos invasivos.

Fast food da beleza: Impulsionado por um mercado bilionário e um discurso que vende obsessão como autocuidado, Salvador saltou de 138 para 13 mil clínicas de estética em 20 anos. Leia mais aqui.

Compre uma ‘bisturada’ e leve duas: Nas redes sociais e até mesmo nas paredes do metrô de Salvador — pasmem —, cirurgias plásticas são anunciadas como se fossem promoção de fast food: “pra todo mundo”, sem contraindicação, sem consulta, sem pecado. Leia mais aqui sobre os "combos promocionais" de procedimentos estéticos e as irregularidades na publicidade médica.

Na bandeja, um padrão inalcançável

O balcão da estética não vende apenas cirurgias e procedimentos: vende promessas de pertencimento, autoestima instantânea e corpos moldados num padrão inalcançável. E tem explodido nos últimos anos porque encontra fiéis obcecados pela “beleza” à base de seringa, bisturi e parcelas de 18 vezes sem juros. A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) estima que o Brasil realiza mais de 1,5 milhão de procedimentos estéticos por ano, isso significa lucro para esse mercado.

Para a psicóloga Izabelle Nossa, o fenômeno reflete um contexto cultural em que aparência virou exigência social. Redes como Instagram e TikTok não apenas exibem corpos, mas produzem padrões quase irreais – e agora turbinados por imagens criadas com inteligência artificial. “São modelos silenciosos de comparação, inatingíveis, mas que funcionam como régua de autoestima”, analisa. O resultado é uma corrida invisível: pessoas se sentem obrigadas a correr atrás de um ideal que nunca chega. Nessa lógica, o corpo passa a ser cartão de visitas — associado à juventude, sucesso, credibilidade profissional e até pertencimento social.

Se antes a pressão vinha das capas de revista ou da televisão, hoje ela está em cada deslizar de dedo. “Muitas vezes não são celebridades, mas pessoas comuns que parecem ter uma vida perfeita, um corpo perfeito. E isso mexe com a autoestima de muita gente”, diz. O problema é que a comparação é automática e incessante: basta assistir a um vídeo de beleza para o algoritmo inundar a tela com dezenas de conteúdos semelhantes. “É como se houvesse uma lupa sobre nossas inseguranças. Quanto mais eu vejo, mais sinto que estou ficando para trás.” Para a psicóloga, o vício nas redes aprofunda o ciclo, reforçando a lógica de que a aparência vale mais do que a experiência.

Essa reportagem abre a série Indústria do Vazio, da Metropole, que investiga a explosão na venda de produtos e procedimentos que oferecem autoestima e performance como se fossem mercadorias e soluções definitivas. A próxima matéria trará a febre de alimentos hiperproteicos.