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Veneno dos esquecidos, metanol volta às manchetes depois de ter matado mais de 60 pessoas na Bahia

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Veneno dos esquecidos, metanol volta às manchetes depois de ter matado mais de 60 pessoas na Bahia

De Santo Amaro a São Paulo, três décadas de mortes e investigações que sempre chegam depois do último gole

Veneno dos esquecidos, metanol volta às manchetes depois de ter matado mais de 60 pessoas na Bahia

Foto: Reprodução/Freepik

Por: Daniela Gonzalez e Ismael Encarnação no dia 09 de outubro de 2025 às 10:10

Atualizado: no dia 09 de outubro de 2025 às 11:37

Essa matéria é parte da reportagem especial publicada originalmente no Jornal Metropole em 9 de outubro de 2025

Hoje ele está em todos os jornais e telas, em conversas de mesa de bar e coletivas de imprensa. Mas, durante anos, o metanol foi o veneno dos esquecidos. Foi um problema restrito aos que bebem o que dá pra comprar, e não o que gostariam de brindar. Agora, o país se espanta porque o veneno chegou aos copos de quem nunca imaginou correr esse risco — mas, na Bahia, ele já levou centenas de vidas sem manchete, sem culpados, sem resposta. Um perigo que resiste ao tempo, alimentado por fábricas clandestinas, por investigações que se arrastam e por uma fiscalização que sempre chega depois do último gole.

Até o momento, cinco mortes causadas por intoxicação foram registradas. Todas no estado de São Paulo. Outras sete ainda estão em investigação. Desde que os casos passaram a surgir, começaram as ofensivas contra fábricas clandestinas em diversos estados. Em São Paulo, por exemplo, 11 estabelecimentos foram interditados e 21 pessoas foram presas.

Massacre baiano do metanol

Os números assustam e causam preocupação, mas não chegam nem perto do histórico baiano. Em 1990, em Santo Amaro, o drama ganhou rosto e número. Dados oficiais da Secretaria da Saúde da Bahia (Sesab) apontam 16 mortes confirmadas e 60 pessoas intoxicadas por metanol, muitas ficaram com sequelas como cegueira e surdez. Após os casos, a prefeitura chegou a proibir temporariamente a venda de bebida alcoólica, até que a investigação chegou a uma fábrica clandestina de bebidas.

Alerta na funerária

Sete anos depois, o dono de uma funerária em Serrinha procurou a Vigilância Sanitária para notificar um movimento estranho no seu negócio: em uma semana, vendeu 11 caixões para famílias de vítimas que haviam bebido a cachaça “Pé No Pote”, de fabricação caseira. Exames laboratoriais confirmaram a presença de metanol e mais de 2 mil litros da bebida foram apreendidos em bares e no depósito da fábrica clandestina.

500x mais metanol

Não demorou muito para o metanol estampar de novo as manchetes. Em 1999, 36 mortes confirmadas em municípios como Serrinha, Nova Canaã e Dário Meira. Ao todo, ao menos 300 pessoas foram intoxicadas. Assim como nos outros casos, as vítimas apresentavam pressão alta, cegueira, vertigem e dor de cabeça. Não era para menos, os laudos periciais apontaram uma quantidade de metanol 500 vezes superior ao álcool etílico.

A investigação descobriu que as bebidas eram produzidas em fábricas clandestinas na região, incluindo uma no município de Iguaí, com produção de 250 litros de cachaça por semana em tonéis plásticos antes utilizados para armazenar metanol. O caso ganhou repercussão nacional e levou à destruição de lotes de bebida e à interdição de mercados e barracas. Recortes de jornais da época mostram que foi decretada a prisão de três pessoas. Um deles foi preso por suspeita de fabricar a cachaça contaminada e os outros três fugiram.

Procurados pela reportagem agora, Polícia Civil, Tribunal de Justiça da Bahia e Ministério Público não responderam sobre a responsabilização dos envolvidos nos três episódios baianos.

Linhas de investigação: de acordo com o último boletim do Ministério da Saúde, já são mais de 259 notificações de intoxicação por metanol após ingestão de bebidas alcoólicas adulteradas: 24 delas já confirmadas e as outras 235 com investigação em andamento. As linhas de investigação vão de envolvimento do crime organizado à falha na produção. Veja aqui

O mesmo veneno, mas com rótulo mais caro

Quem tem lembranças desses episódios fala em um rastro bem maior, espalhado entre hospitais e povoados vizinhos, além das centenas de intoxicados e 63 mortos. Mas são poucos os que guardam memórias desses casos, assim como são poucos os dados e informações sobre a responsabilização das mortes. Por quê? O médico sanitarista e fundador da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Gonzalo Vecina, responde: 

“Porque quem morreu nos anos 1990 era preto e pobre. Essa é a mudança que está acontecendo agora. Quem está morrendo é gente do [bairro] Jardins de São Paulo”, afirmou em entrevista à Metropole.

Os casos dos anos 1990 mostram que não é de hoje que o metanol é utilizado na adulteração de bebidas alcoólicas, mas antes era restrita a cachaça, aquelas de R$ 2 ou R$ 3, “bebidas para pobre”, explica Gonzalo Vecina. “Agora não, porque de repente estão falsificando, estão colocando metanol em um uísque, gin, e vodca”.

Fiscalização depois do gole: Após cinco vítimas em São Paulo, operações foram deflagradas em todo o país — inclusive na Bahia, onde uma fábrica foi fechada e 600 garrafas apreendidas. Mas o cerco chegou tarde. Veja aqui