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Histórica Casa D'Itália é colocada à venda e corre risco de dar lugar a mais um espigão

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Histórica Casa D'Itália é colocada à venda e corre risco de dar lugar a mais um espigão

Marco da arquitetura de inspiração neoclássica em Salvador vira ativo para o mercado imobiliário em meio a dívidas, risco estrutural e promessas de modernização

Histórica Casa D'Itália é colocada à venda e corre risco de dar lugar a mais um espigão

Foto: Metropress/ Marcelle Bittencourt

Por: Daniela Gonzalez no dia 06 de novembro de 2025 às 07:00

 A Casa D’Itália, imóvel de 1936 que atravessou gerações como ponto de encontro da comunidade italiana e símbolo de uma Salvador elegante e plural, está oficialmente à venda. O processo foi aberto por meio de um edital publicado em setembro e revela um daqueles momentos em que o tempo, a economia e a memória parecem falar línguas diferentes.

O edifício, de inspiração neoclássica, abriga histórias que resistiram às transformações do Campo Grande, de bairro aristocrático a território de contrastes, onde casarões dividem calçada com prédios de luxo. Agora, a Casa D’Itália entra na lista de bens que podem mudar de dono e talvez de destino, somando-se à sequência de endereços históricos que, pouco a pouco, vão deixando de pertencer à cidade para pertencer ao mercado.

Colapso financeiro

A Associação Cultural Casa D’Itália afirma que a decisão de vender o imóvel foi inevitável. Em nota, a atual diretoria relata ter herdado uma instituição à beira do colapso, com dívidas, contas bloqueadas, risco de desabamento e falta de regularização fundiária. Segundo auditoria contratada, seriam necessários mais de R$ 4,5 milhões apenas para restabelecer a segurança estrutural do imóvel.

Diante desse cenário, o edital foi apresentado como uma consulta pública para avaliar propostas de compra e alternativas financeiras. A entidade sustenta que a medida visa garantir a continuidade das atividades culturais em uma nova sede, moderna e funcional, que permita manter viva a missão de promover a cultura italiana.

Na nota, a diretoria fala ainda em “responsabilidade, transparência e sustentabilidade”. Palavras que soam corretas e necessárias, mas que também carregam um eco incômodo: o da inevitabilidade que costuma acompanhar as perdas urbanas.

Símbolo da ‘Nova Salvador’

Para o arquiteto Daniel Colina, diretor do Instituto de Arquitetos do Brasil na Bahia (IAB-BA), a venda da Casa D’Itália não é apenas um ato administrativo, mas um retrato da cidade contemporânea. “É um problema cultural. Quando se vende, em Salvador, a cultura se vende”, afirmou.

Colina lembra que, embora o prédio não seja tombado, está em uma área de proteção paisagística e cultural, o que reforça seu valor simbólico. “Estamos falando de paisagem. Essa cidade tem uma paisagem fantástica e precisa ser tratada com muito cuidado.”

Ele menciona casos, como o do antigo Hotel Tapajós, demolido após forte reação popular, e faz um alerta sobre o que chama de “turismo desmedido”. “A cidade precisa crescer, mas sem se esquecer de si mesma.”

A Casa D’Itália pode renascer em outro endereço, mas dificilmente voltará a ocupar o mesmo lugar na memória de Salvador. Porque há vendas que não se medem em cifras, e há perdas que não cabem em planilhas. Como disse Daniel Colina, “cultura não se recompra com o mesmo dinheiro que se ganha com o metro quadrado.”