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Pegue a visão: confira a rodada de dicas desta semana

Legado do guerrilheiro baiano ecoa num Brasil ainda cheio de contradições; viúva Clara Charf morreu no último dia 3

Foto: Domínio público
Passava das 20h quando um homem alto se aproximou do Fusca azul, estacionado na penumbra da alameda Casa Branca na esquina com a Rua Tatuí, no bairro nobre dos Jardins, em São Paulo. O fluxo de veículos com torcedores rumo ao estádio do Pacaembu já tinha passado, e o silêncio era sepulcral. Naquela noite, o Santos de Pelé enfrentaria o Corinthians de Rivelino. Marighella não sabia, mas eram seus últimos passos: antes mesmo de a partida começar, ele sairia da vida para entrar para a História.
Criado na Baixa dos Sapateiros, em Salvador, o poeta, capoeirista e torcedor do Vitória começou na militância ainda na década de 1930. Filho de italiano com uma negra haussá, nasceu em 5 de dezembro de 1911 no Tororó. Foi preso pela primeira vez em 1932 por ter escrito um poema com críticas a Juracy Magalhães, interventor nomeado por Getúlio Vargas para governar a Bahia. Em 1934, Marighella deixou o curso de Engenharia Civil na Escola Politécnica da Bahia, ingressou no Partido Comunista Brasileiro (PCB), se mudou para o Rio de Janeiro e dedicou o resto da vida às atividades políticas.
Foi eleito deputado federal constituinte em 1946, mas teve o mandato cassado dois anos depois, quando o PCB foi novamente colocado na ilegalidade. Ocupou diferentes cargos no Partidão. Chegou a morar na China e era conhecido por sua coragem e firmeza. Dizia que não tinha tempo de sentir medo. Foi preso e torturado diversas vezes e nos anos mais duros da ditadura, rompeu com o PCB e fundou a Ação Libertadora Nacional (ALN), grupo de resistência armada contra o regime militar.
No fatídico 4 de novembro de 1969, Marighella já vivia há cerca de 21 anos com sua companheira Clara Charf, com quem compartilhava a luta política. Clara morreu aos 100 anos na última segunda-feira (3), depois de ter suportado prisões e tragédias, numa vida inteira dedicada à militância.
Emboscada fatal
Ao entrar no carro para o encontro costumeiro com seus aliados da ALN, Marighella foi rendido pelos homens do temido delegado Sérgio Paranhos Fleury, que chegou logo depois. Chefe do Dops e considerado um dos mais cruéis agentes da repressão, Fleury já
perseguia há tempos o então inimigo número um da ditadura.
Prendeu os freis Fernando e Ivo, que davam cobertura a ele assim
como Frei Tito (o religioso tirou a própria vida tempos depois, atormentado pelas torturas) e os obrigou a marcar o encontro com Marighella. Sem se render, foi acertado à queima-roupa por pelo menos quatro tiros, embora o laudo do médico-legista Harry Shibata tenha indicado que o óbito decorrente de tiroteio. Marighella estava desarmado quando morreu. Ao partir, deixou um enorme legado na luta contra a tirania.
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