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Os russos, os avôs do passado e os do TikTok

Os russos, os avôs do passado e os do TikTok

O MBL é Ucrânia team. O PCO, dizendo-se contra o imperialiRmo (sic) americano, é Putin team. 

Os russos, os avôs do passado e os do TikTok

Foto: Reprodução

Por: Malu Fontes no dia 03 de março de 2022 às 10:27

Em uma dessas listas de família no WhatsApp, tem circulado recentemente um card meio memístico em que aparece, primeiro, a imagem de um homem de meia-idade, numa fotografia que remete à iconografia da Segunda Guerra Mundial. Um rosto austero, sisudo, uniforme militar, medalhas, insígnias, bigode à la Floriano Peixoto. A legenda: o seu avô. Ao lado, um garoto, com ares de puberdade, traços andróginos, filtros de maquiagem, lábios, bochechas e cílios artificialmente coloridos e manipulados, asas de borboleta púrpuras misturadas a fios de bigode de gato de desenho animado, postos entre nariz e boca. A legenda: o avô dos seus bisnetos.

O subtexto do card-meme não deixa dúvidas do enquadramento. É uma crítica conservadora que, na essência, quer dizer: homens de verdade, fortes, sensatos, sérios, eram nossos avós, bisavós. Homens com espírito estoico, militaristas, com pendores de bravura, que iam à guerra para lutar pela humanidade. As novas gerações, as crianças de agora, não passam de títeres andróginos estrelando vídeos mimetizando libélulas tão coloridas quanto frágeis, uma geração de invertebrados emocionais. Um elogio aos avôs de fibra, um lamento à geração bola de neve e seus derretimentos emocionais diante de qualquer gatilho inadvertido, suas reivindicações de safe spaces, na rua, na escola, na tela da TV, no trabalho, em casa. 

Coisa rara é ver uma geração do passado elogiando, citando virtudes e, menos ainda, louvando a evolução cognitiva dos mais novinhos. Mas, diante da emergência de um conflito bélico internacional com grandes  l probabilidades de tornar-se uma guerra de implicações mundiais, como não se via desde o fim da segunda grande guerra, nos meados da década de 40, perguntar não ofende: o que o século XXI legou, daquela suposta sensatez dos avôs sisudos dos cards, aos seus descentes europeus, que pouco mais de meio século depois, empurram o mundo para bombardeios, expulsão de milhões Europa adentro e mortes de civis nas cidades da Ucrânia? 

E quase tudo isso - já que falamos, em 2022, de guerras híbridas, com dezenas de interesses sobrepostos - em nome de uma melancolia insana de retroceder aos anos 80 e retomar pedaços de terra para refazer uma ideia de União Soviética, desfeita nos estertores da Guerra Fria, e cujo simbolismo de extinção, para o mundo, foi a queda do Muro de Berlim, em 1989, e as ex-repúblicas soviéticas tornadas nações jovens, da década de 90 para cá.

A GUERRA NO LEBLON 

A Europa, sempre escondida sob o epíteto de velho continente, sempre referenciada como o berço das civilizações, até como antagonista, para os anti-eurocentristas e decolonialistas, como vai explicar a impotência, o engessamento, o apequenamento diante da dependência dos americanos, do encurralamento diante presidente Russo e da mania dos Estados Unidos de considerar-se o vencedor da guerra fria? E o resto do mundo comportando-se como barata tonta, sem ter ideia mínima de quem colocar no lugar de mocinho, bandido, herói, verdugo, déspota, bom ou mau. Na dúvida, o céu do ridículo é o limite e, no Brasil, veja-se, não basta o presidente da República anunciar neutralidade. É preciso ir mais fundo no ridículo. 

O povo do MBL, aqueles garotos que diziam que iam mudar o mundo, enganaram-se a si mesmos e elegeram Bolsonaro, agora vai parar na delegacia, numa briga de gangue com fósseis da extrema-esquerda brasileira, o tal do PCO. Como galos de briga, medem o tamanho do falo na porta da embaixada russa, localizada no descolado e longínquo bairro do Leblon, no Rio de Janeiro, aquele dos cenários das Helenas do novelista global Manoel Carlos. O MBL é Ucrânia team. O PCO, dizendo-se contra o imperialiRmo (sic) americano, é Putin team. 


Se é para taguear o ridículo, é injustiça com os filtros das dancinhas do TikTok ou do Reels, com os púberes de bigodinho de gato e borboleta. Coitado do avô sisudo do card. Conseguiu ensinar zero a seus descendentes. Seja na Rússia, na Europa que arrota civilização com seus museus e suas bibliotecas ou nas calçadas do Leblon. O filtro do bigodinho de gato pode ser ridículo. Mas seus adeptos têm pânico de guerra e acham patética a paisagem da Europa em 2022, aquele míssil de gatilhos.