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Um conselho ao presidente

Bolsonaro calado e ausente agrada mais do que falante e atuante
Foto: Reprodução
Na luta pelo poder em Esparta, Cleómenes, príncipe postulante ao trono, chegou ao ponto de tentar subornar o Oráculo de Delfos para derrotar o outro príncipe, Demarato, de quem espalhavam fake news segundo a qual ele não seria filho legítimo de Ariston, o rei morto. Pela tradição, o trono espartano era hereditário e embora Cleómenes e Demarato fossem da mesma família, o ramo do segundo era mais antigo, possuindo, assim mais prestígio que lhe daria a aclamação da coroa.
Antes de prosseguir é preciso explicar como funcionavam os oráculos da Antiguidade - que um colega de redação comparou ao Google atual. Eram santuários onde deuses respondiam a preocupações humanas, tiravam dúvidas, aconselhavam. Uma pitonisa, sacerdotisa do culto, recebia as mensagens do deus e repassava a quem perguntava. Essas respostas poderiam ser claras ou enigmáticas, dependiam de interpretações. Delfos possuía o oráculo mais famoso. Quem respondia às questões, diziam, era Apolo. Pois bem, Cleómenes persuadiu a pitonisa Períale a responder que Demarato não era filho legítimo de Ariston, quando emissários de Esparta fossem consultar o oráculo. Contudo, a trama foi descoberta. Períale demitida de suas funções de sacerdotisa e Cleómenes caiu em desgraça.
Tudo isso relembrado para especu lar se, acaso, não ocorreu de algum assessor do presidente Bolsonaro ter usado artifício semelhante, consultando os oráculos atuais - que numa eleição podem ser representado pelos institutos de pesquisa - para obter como resposta não a verdade, mas a que agradaria o chefe: a reeleição certa. É o que se aduz pela reação de surpresa do presidente após o resultado das urnas. Ele saiu de cena, se calou, apático, pela primeira vez após quase quatro anos de uma verborragia que muitos acham ter lhe custado o segundo mandato. Curiosamente, na recente pesquisa realizada pelo IPEC sobre esse fim de mandato, constatou-se que subiu a aprovação popular do presidente. Ou seja, Bolsonaro calado e ausente agrada mais do falante e atuante.
Mas o oráculo da moda é a “PEC da Transição”, com a capacidade não de dar conselhos, mas de resolver todos os problemas. Porque “é preciso mudar para tudo permanecer igual”, como diria Giuseppe Tomasi de Lampedusa no seu clássico O leopardo. A engenharia política da PEC garante os recursos para pagar a promessa de campanha de Lula - aumentar o bolsa-família para R$ 600 e mais R$ 150 para famílias com filhos menores de 6 anos -, reserva mais um punhado de bilhões para investimentos pelo novo governo; outro bocado para a gestão Bolsonaro quitar suas contas de fim de mandato e, o mais importante: mantém a premiação dos parlamentares com os generosos recursos do orçamento secreto, o dinheiro da capilaridade, o dinheiro das bases políticas de deputados e senadores que querem gastar (ou não, pois alguns desvios já foram flagrados) sem que as pessoas de fora de seus currais eleitorais, saibam quem enviou a grana e no que ela foi utilizada. Isso só interessa ao seu “cliente”, o sujeito que garante os votos das eleições fazendo girar a roda da política numa democracia como a brasileira.
E para garantir a governabilidade por que Artur Lira não continuar na presidência da Câmara e Rodrigo Pacheco no comando do Senado? O oráculo aconselha que sim. Governabilidade em troca do orçamento secreto. Resta apenas os parafusos serem apertados no Supremo Tribunal Federal para que o orçamento secreto não seja considerado anticonstitucional.
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