Terça-feira, 24 de junho de 2025

Faça parte do canal da Metropole no WhatsApp

Home

/

Artigos

/

GKay e Porchat são a neopolarização

GKay e Porchat são a neopolarização

Nos últimos dias do ano, ficou impossível abrir a tela do celular sem que lá não estejam os nomes do humorista Fábio Porchat e da influenciadora GKay, Géssica Kayane

GKay e Porchat são a neopolarização

Foto: Reprodução

Por: Malu Fontes no dia 29 de dezembro de 2022 às 11:01

Às vezes, saber ler soa como uma maldição portátil inserida no cérebro. Depois de um ano de insanidades para todos os gostos, por conta do pesadelo político que o país experimenta, com terroristas lombrosianos admitindo que é ok planejar atentado e explodir bombas em Brasília para gerar caos, provocar intervenção militar e impedir a posse de Lula, o ano termina com um looping no entretenimento. Nos últimos dias do ano, ficou impossível abrir a tela do celular sem que lá não estejam os nomes do humorista Fábio Porchat e da influenciadora GKay, Géssica Kayane.

Depois da eleição, os órfãos das tretas odiosas da campanha parece que adotaram uma nova polarização para justificar o bate-boca nas redes. No Domingão com Huck, Fábio Porchat fez uma piada com a moça. Em resumo, disse que Jô Soares, a referência em entrevistas no gênero talk show na televisão brasileira, morreu sem precisar passar pelo sacrifício de entrevistar a moça. Com milhões de seguidores e dona de uma festa de celebridades cultuada pelo jornalismo diversional que vê no @choquei o The New York Times do século XXI, GKay é ao mesmo tempo um fenômeno das redes e de críticas, chamada de chata, deslumbrada, grosseira e de coisas do tipo. 

Pronto. Foi Porchat fazer a piada e a moça e as redes entrarem em curto-circuito. E quem disse que em 2022 alguém pode criticar alguém sem ser empurrado para a inquisição? GKay reclamou, chorou, citou a mãe para inflar a dor que diz ter sofrido e, no limite, saiu de todas as redes sociais. Desativou perfis e a assessoria anunciou que ela adoeceu e foi internada, às pressas. Claro que vai voltar. Fragilizada, supercitada, com depoimentos e lágrimas, apoio de famosos, overposting de fofoqueiros do mundo celeb, associada a empoderamento, sororidade, feminismo, machismo, depressão e riscos à saúde mental. Deve gerar até cursos on-line, na linha: o que podemos aprender com a internação de GKay; a toxidade do homem branco cis heteronormativo; cuide da GKay que há em você; representações do machismo e da xenofobia no humor etc.

Se isso é tribunal das redes, caça aos humoristas, morte da crítica, cancelamento, mundo tóxico, geração bola de neve, gatilhismo, vitimismo, carona no limão para a limonada ou só o triunfo da mediocridade, vá lá saber. É tudo isto e nada disso. De novo, só mesmo o comportamento de Porchat após o caso ser tratado como a neocrucificação. Não fez nota de esclarecimento nem de escurecimento e tampouco pediu desculpas. Ao contrario: veio a público para reiterar a piada, defender o humor, bater na tecla de que não humilhou ninguém e manteve o mesmo ponto de vista. Sim, a toda hora alguém repete a tese de que se alguém conta uma piada e nem todo mundo se diverte, é porque a piada não tem graça, não deve ser feita. 

Ainda se pode rir do quê?

Por essa lógica, todo objeto de humor deve ser consensual ou previamente combinado com russos, haitianos, turcos, caucasianos, povos originários, africanos e eurasianos. Nesse extremo, o humor se tornou impossível. No caso GKay, a dona da Farofa, a festa mais tradutora do jornalismo-choquei, uma coincidência: uma das colunas mais lidas d’O Globo, a de Patrícia Kogut, incluiu a festa na relação das piores coisas do ano, dando uma cacetada em quem decidiu levá-la como atração para o Multishow e a Globoplay. E faça-se justiça: com acompanhantes muito bem pagas, mas também arroladas entre as piores. Estão lá Travessia e Jade Picon. 

Tomara que nem Glória Pérez nem a rica da novela das nove adoeçam nem se internem por conta da coluna de Kogut. Já temos uma crise trash melhor, além da polarização objeto deste texto. Dizem que o casamento de Michele e Bolsonaro subiu no telhado, com altas possibilidades de passarem o réveillon separados, em países diferentes. Ele nos Estados Unidos, de luto, e ela no Brasil. Por que choras, GKay? Há dores maiores por aí e muita gente fazendo piada. Se o choro for em nome de mais engajamento para a ressurreição das redes e o clímax no enxugar das lágrimas, sois gênia. Deve, inclusive, colocar nas metas para 2023 um documentário, nos moldes daquele que ressuscitou Karol Conká da condenação nas redes, pela performance no BBB. 

No final das contas, o que fica é: além do elogio, sobra o quê, no reino do entretenimento? Já que qualquer crítica ou humor são garroteados e escorridos depois para a vala do tóxico, ainda se pode rir de alguma coisa? Ainda se pode dizer que algum produto da indústria cultural é ruim, chato ou medíocre sem que os envolvidos sejam estimulados, de um lado, ao adoecimento físico e mental e, do outro, à execução no paredão da patrulha? Enquanto isso, parece mais saudável, na maioria dos casos da polarização débil, torcer pela briga.

Artigos Relacionados