
Keyla Brasil: atriz e chupa pau
Embora soe genérico demais, quase ninguém no Brasil deve saber quem é Keyla Brasil. Em Portugal, no entanto, ela se tornou um dos assuntos mais comentados do país

Foto: Reprodução
Embora soe genérico demais, quase ninguém no Brasil deve saber quem é Keyla Brasil. Em Portugal, no entanto, ela se tornou um dos assuntos mais comentados do país, para o bem e para o mal, só rivalizando na imprensa portuguesa nos últimos dias, em termos de fervura polêmica, com os custos astronômicos, em milhões de euros, da construção do palco-altar para receber o Papa Francisco. Keyla é brasileira, de Belém, atriz, trans, professora e prostituta, segundo ela mesma. No dia 19 de janeiro, de botas e com apenas um fio dental preto, seios à mostra, invadiu aos gritos a peça “Tudo sobre minha mãe”, uma adaptação do filme homônimo de Pedro Almodóvar que estava sendo encenada no Teatro São Luís, em Lisboa.
Era um protesto, que rendeu e continua a render um debate gigantesco entre artistas sobre quem pode representar quem na dramaturgia e sobre os limites entre a reivindicação por espaço profissional e o desrespeito ao trabalho artístico alheio. O argumento de quem aplaudiu o protesto é o de que não há nenhuma revolução sem sangue e não se tratava ali de arte, mas de política. O de quem considerou o ato uma agressão à autonomia de encenadores é o de que o palco e o trabalho do ator são sagrados e invioláveis no momento da representação e intervir é censura, seja por ativistas de direita ou de esquerda, por causas revolucionárias ou reacionárias. Independentemente do objeto do protesto, interromper um espetáculo seria equivalente a censurá-lo, a maior agressão à arte.
Pau e censura
Na peça há duas personagens trans: Agrado e Lola. Apenas uma era representada por uma atriz trans. Lola, na montagem, era representada por um ator homem-hétero-cis, que, no mesmo espetáculo, interpretava três personagens diferentes, em parte pelo baixo orçamento da produção. O fato de uma personagem trans ser interpretada por um ator heterossexual foi a razão da invasão do palco por Keyla. O protesto foi premeditado, por associações trans, tendo, neste caso, um quê de reivindicação sindical de um segmento de artistas por espaço de trabalho. Keyla diz que saiu do Brasil para não morrer assassinada e que chupa pau em Portugal, correndo risco de ser assassinada todos os dias, porque atrizes como ela não têm espaço nos palcos, o seu lugar profissional. “Sabe por que eu trabalho como prostituta? Porque eu chupo pau, como Agrado, como Lola? Porque eu não tenho espaço para estar aqui [no palco]”.
Por enquanto, de concreto, Lola passou a ser interpretada por uma atriz trans, contratada nos dias seguintes. O debate, no entanto, está só começando e, todos os dias jornalistas, artistas, humoristas, sindicatos da área e cientistas sociais trazem novos argumentos, contrários e favoráveis na imprensa portuguesa. Uma das perguntas centrais da discussão é se transfake e blackface são fenômenos comparáveis. O mundo de 2023 não toleraria que um artista branco pinte a pele de preto para interpretar uma personagem negra. Uma atriz ou um ator hétero interpretar uma personagem trans é algo equivalente ao blackface ou essa premissa é uma falsa simetria? O debate, em Portugal, foi aberto, por uma brasileira.
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