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Golpismo tardio

Eu, com meus olhos de leigo, adoro avistar a imponência do Oceania, como a de uma catedral
Foto: Reprodução
Um dia desses, no Jornal da Cidade, Chico Kertész questionou ao arquiteto e restaurador Chico Mazzoni se ele lembrava alguma construção recente e marcante feita em Salvador. O entrevistado não ouviu bem a pergunta, deu uma resposta envolvendo obras antigas e de reuso, mas, na sequência, disse o que importa: “Salvador é uma cidade com um patrimônio riquíssimo, mas a parte nova é um tanto insignificante, não está à altura da cidade antiga. Ou seja, a arquitetura contemporânea de Salvador é pobre". Claro que, na dimensão da História, o edifício Oceania, que comemora 80 anos em agosto, também pode ser considerado “recente”, mas não é desse recente que estamos tratando, e a verdade é que, em sua robustez dissonante e posta bem em frente ao Farol da Barra, sendo o marco final da Avenida Sete de Setembro, aquele que é considerado o primeiro prédio da cidade é um verdadeiro oásis em meio a tanta construção ruim. Mais que um edifício, um verdadeiro continente, conforme atesta em seu nome.
Eu, com meus olhos de leigo, adoro avistar a imponência do Oceania, como a de uma catedral. Sensação semelhante à que sentia quando entrava no estádio da Fonte Nova, projetado por Diógenes Rebouças, e parecia me integrar e me entregar a um mundo grandioso. — Já na arena Fonte Nova sinto-me apertado, sufocado. Sei que no prédio funcionaram boates, cassino, sauna e até um pequeno teatro, mas eu mesmo nunca frequentei esses espaços e nem tenho amigo morador ou amigo de morador que me levasse lá dentro. De modo que, para mim, o Oceania é ainda uma espécie de mistério. A bem da verdade, entrei ali no Camarote 2222, mas é carnaval e tudo fica diferente. De qualquer modo, com seu tamanho furando o gabarito imposto depois, o prédio integrou-se à paisagem pela via do contraste. Nem vou falar em Art Déco nem em concreto oco ou coisa assim. Muito menos em tombamento, que aqui a gente já não sabe bem o que significa. Fica o Oceania em sua imponência, ao mesmo tempo sugerindo uma imensa cidade vertical do interior.
Sabemos que ele modificou o conceito de morar em Salvador, aproximando completos desconhecidos numa mesma unidade. Que, em seus 80 anos, alguma lição ainda nos dê, sobre bons modos ante os menores, sobre gentileza apesar de força, sobre elegância urbana. Patrimônio da cidade moderna, que o Oceania nos diga algo de profundo sobre nós mesmos.
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