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Turismo, tragédia e algoritmo

Turismo, tragédia e algoritmo

A forma como narramos ou deixamos de narrar as mortes e as dores dos outros revela mais sobre nós do que sobre os fatos

Turismo, tragédia e algoritmo

Foto: Metropress

Por: Malu Fontes no dia 26 de junho de 2025 às 06:44

Nos últimos dias, eventos turísticos trágicos ocuparam espaços díspares na atenção pública: uma jovem brasileira morreu ao despencar de um penhasco num vulcão na Indonésia, e oito pessoas morreram na queda de um balão em Santa Catarina, no Brasil, incluindo uma mulher grávida. O primeiro caso virou trending topic global. O segundo, desapareceu rapidamente das manchetes. O que explica os abismos entre a visibilidade dos dois fatos?

A pergunta não se refere à gravidade dos acontecimentos. Ambos envolvem mortes súbitas e em contextos de turismo e lazer. O que difere em muito é o modo como essas mortes foram narradas, distribuídas e como circularam na esfera pública. Juliana, a menina de 26 anos que caiu no vulcão, não era apenas uma turista convencional. Era uma personagem pronta para circular nas redes e comover o mundo. Mulher, muito jovem, viajando sozinha, bonita, aventureira, com redes sociais ativas e com muitas imagens prévias esteticamente alinhadas ao ideal da “vida vivida aqui e agora”. Sua morte atende a todos os critérios da lógica midiática que mistura, sobrepõe e confunde luto e like.

Comoção e like

Já os casos dos balões, mais de um, recentemente, não produziram comoção nacional e viralização. Se ainda fosse na Capadócia… Ninguém associou as mortes a governos, líderes políticos, nem a tragédia se tornou trend nas redes. Eram pessoas classificáveis como comuns, anônimas, em destinos domésticos e fazendo um turismo de risco, sem potencial de engajamento. Há, comparando os dois casos, um padrão silencioso difícil de explicar para o senso comum. 

Toda vida é uma vida, todas as vidas importam, mas não é bem assim nos feeds, nas imagens de TV e nunca foi nas manchetes. A cobertura e, agora, os algoritmos produzem assimetrias, amplificando algumas dores e ignorando outras. A forma como narramos, ou deixamos de narrar, as mortes e as dores dos outros revela mais sobre nós do que sobre os fatos. E talvez o que mais inquiete não seja a tragédia em si, mas o que, e como, escolhemos lamentá-la.

Na terça-feira, quando finalmente os serviços de resgate indonésios anunciaram a morte de Juliana, tinha-se a impressão de que postar e escrever algo sobre ela, em primeira pessoa, era algo obrigatório, para todo mundo, e urgente. Entre a comoção e o like, e à revelia dela e da família, quantas tragédias, além da do balão, foram sacrificadas e silenciadas? Essa é a ordem natural da engrenagem da economia da atenção.