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Salvador e o turismo de dormir cedo

Salvador e o turismo de dormir cedo

Um dado curioso, traço genético-ancestral da cidade é que a metrópole dorme cedo demais para uma metrópole

Salvador e o turismo de dormir cedo

Foto: Reprodução

Por: James Martins no dia 05 de outubro de 2023 às 00:00

Salvador é uma cidade estranha. Quem disser que não é, é porque não a conhece. Estranha, eu disse, e já corrijo: estranhíssima. Por exemplo, o turismo. Há muito tempo praticamente desindustrializada, a capital que não produz sequer as próprias cocadas baianinha, nem as tradicionais fitinhas do Bonfim, resolveu investir tudo, apostar todas as fichas na indústria sem chaminés. Isto é, no turismo. Caminho óbvio para quem tem tantos metros de costa, litoral magnífico, cultura peculiar, Olodum, paranauê e tudo o mais que a gente está cansada de saber. Mas, eu falei em “investir” e já corrijo, pois não é bem o termo. Fiquemos apenas com “apostar”. Salvador aposta tudo no turismo. Só que tem um dado curioso, traço genético-ancestral da cidade, que parece ir na contramão do projeto de fazer da atividade turística nossa principal commodity. É que a metrópole dorme cedo demais para uma metrópole. Ou você ainda não reparou?

Certa vez fui com Roberto Sant’Anna ao Fera Palace Hotel, ali na rua Chile onde ele apresentou Caetano Veloso e Gilberto Gil há 60 anos. Pois bem, o velho produtor se afogava em lembranças e chope, enquanto eu aproveitava para perguntar ao garçom sobre o bar do terraço que tinha visto por fotos no Instagram. Me informou: funciona de terça a domingo até as 21 horas. É isso mesmo, 21 horas!!! Veja bem, não é que abre às 21, enquanto a novela das oito está começando. O bar do terraço de um hotel cinco estrelas internacional no Centro Histórico da cidade FECHA às 21 horas. E quem tiver tomando sua caipirinha gourmet que trate de engolir o limão siciliano e se picar. A notícia me soou absurda, mas, medindo bem os dados, notei (ou acreditei) que, se ficasse aberto até de manhã, o barzinho com piscina de borda infinita a cavaleiro da baía de Todos-os-Santos certamente cairia do cavalo e daria prejuízo.

Isso por quê? Ora, porque Salvador é uma cidade que dorme cedo. Com todos os seus 3 milhões de habitantes e não sei quantos turistas. Se algum boêmio perdido quiser varar a madrugada tomando uma, terá que se contentar com as banquinhas de cachorro-quente do Rio Vermelho, e olhe lá. Aqui tudo fecha. Até o carnaval acaba antes das 3 da madrugada. Repito, é um traço genético que nem o turismo consegue alterar. Nem mesmo numa zona que deveria seguir regras internacionais, como o terraço de um hotel de luxo. Assim como existem o turismo de aventura, o turismo sexual, o turismo religioso, nós inventamos o turismo de dormir cedo. E devemos nos orgulhar disto nesse mundo cada vez mais insone. Boa noite!

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