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Não dá mais para fingir que não viu

Não dá mais para fingir que não viu

Estados-nações que misturaram religião com política, sabemos como a coisa caminhou e como caminha

Não dá mais para fingir que não viu

Foto: Reprodução

Por: Metro1 no dia 14 de março de 2024 às 00:00

O Alto Comando do Exército sabia da encenação golpista. Também sabia que pessoas foram consultadas a respeito da aventura - tentativa de golpe - e sabia da ausência de coesão, embora alguns, entre os 16 integrantes do Alto Comando, fossem claramente favoráveis. E como podemos fingir que não vimos? Foram anos de ataque ao Supremo Tribunal Federal, um ano seguido de ataque às urnas e ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), a Brasília e à Polícia Federal. No dia 12 de dezembro, tentaram invadir a sede da Polícia Federal, um caminhão bomba com 60 mil litros de querosene deveria explodir no Natal.

Foram 70 dias com aquelas buchas de canhão diante dos quartéis. Tudo isso foi parte do ensaio que desaguou no 8 de Janeiro. Se eles tivessem arrancado a tal Garantia da Lei da Ordem, a GLO, onde nós estaríamos? E como? Essas são as perguntas. Aquilo era para arrancar e negociar poder, no mínimo.

O atual comandante do Exército, general Tomás Paiva, afirmou aos subordinados que a vitória eleitoral do presidente Lula foi “indesejada” pela maioria dos militares, mas “infelizmente” aconteceu. A declaração foi dada aos oficiais do Comando Militar do Sudeste em 18 de janeiro — três dias antes de assumir a chefia do Exército com a demissão do general Júlio César de Arruda. Ainda durante a conversa gravada, o general afirmou que “nós estamos na bolha fardado, militarista, de direita e conservadora” e falou da importância de reconhecer que “existe outra bolha, e ela não é pequena”.

Paiva explica aos oficiais por que não teve a aventura (golpe de Estado), isso porque obviamente tinha gente cobrando. Primeiro, ele aborda as questões externas, lembrando dois capítulos: o 18 de julho quando, Bolsonaro reuniu embaixadores estrangeiros - aquilo lhe custaria depois a inelegibilidade - e fez um pronunciamento atacando as urnas e eleições. No dia seguinte, dia 19 de julho, a Embaixada norte-americana divulgou uma nota dizendo que as eleições brasileiras servem como modelo para as nações do hemisfério e do mundo. Dois dias antes do segundo turno das eleições brasileiras, 31 congressistas norte-americanos mandaram uma carta para Joe Biden, cobrando que o Brasil garantisse o resultado da eleição.

No dia 31 de maio de 2020, Bolsonaro e o ministro da Defesa sobrevoaram uma passeata em Brasília a favor do AI5 e da intervenção militar. Quantas vezes isso aconteceu? Já no dia 18 de janeiro de 2021, Bolsonaro diz: “Quem decide se um povo vai viver na democracia ou na ditadura são as suas forças armadas”. Nesse período, tinham 6 mil militares empregados no governo. Seguindo a ordem dos fatos, no dia 11 de novembro de 2022, foi divulgada uma nota dos Comandos Militares dizendo que as forças armadas são as moderadoras nos momentos mais importantes da história. Não são as moderadoras, são interventoras. O ministro Luís Roberto Barroso disse que os militares foram manipulados por más lideranças, só se ele estiver se referindo-se principalmente às lideranças militares.

Para qual horizonte estamos indo? Em Salvador, Michele Bolsonaro e Jair Bolsonaro foram homenageados na Assembleia Legislativa da Bahia. Há alguns dias no palanque, essa senhora, que se diz proprietária de uma marca chamada “Mijoias”, fala a respeito da compreensão que ela tem do que é o estado laico. “Por um bom tempo nós fomos negligentes, sim ao ponto de falarmos que não poderiam misturar política com religião e o mal tomou, o mal ocupou o espaço. Chegou o momento agora da libertação”.

Estados-nações que misturaram religião com política, sabemos como a coisa caminhou e como caminha. E é como está caminhando no Brasil. Estamos vendo policiais militares e batalhões da PM fardados, que são forças públicas do Estado - em um Estado laico -, assistindo pregações dentro da igreja Universal, por exemplo. As coisas estão caminhando e as pessoas fingem que não está acontecendo, não estão percebendo. Esse discurso de Michele Bolsonaro é claríssimo. Não dá mais para fingir que não viu.

*A análise foi feita pelo jornalista no programa Três Pontos, da Rádio Metropole, transmitido ao meio-dia às sextas-feiras

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