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Um conselho ao presidente

O fato é que ter um pai presente já me colocava em outra situação em relação a muitos dos meus amiguinhos e vizinhos
Foto: Reprodução
Fui um menino pobre. Mas também, como escreveu Manuel Bandeira, “menino fui, como os demais, feliz”. A verdade é que criança tem pouca consciência da pobreza. A gente brincava naquela ladeira do Curuzu com a alegria típica da idade e eu, além do mais, era um menino pobre que tinha até brinquedos. Não apenas os brinquedos comuns de criança pobre, como bolinhas de gude, arraia, guiador… mas também bonecos industrializados, carrinhos de pilha etc etc, que ganhava de meu pai ou de minha tia Babi — vendedora na “Estrela” e, portanto, com acesso facilitado à brinquedolândia. O fato é que ter um pai presente já me colocava em outra situação em relação a muitos dos meus amiguinhos e vizinhos. E que pequenas diferenças orçamentárias podem significar a distância entre ter ou não ter o que comer na faixa social em que nasci.
Mas a primeira vez que lembro ter-me dado conta realmente do que era pobreza tem a ver com Silvio Santos. A gente gostava de brincar de Porta da Esperança, o famoso programa onde o participante tinha direito de fazer um pedido dos sonhos e torcer para ser atendido ao abrir da mesma. No nosso caso, a gente só dizia o que iria pedir se tivesse a sorte de ir lá. “Um avião a jato”, “uma televisão a cores de 100 polegadas”, “todas as bonecas da Barbie”... eram os desejos típicos. Até que Marta, uma menina que veio do interior do interior para trabalhar na casa de minha avó em troca de casa e comida, abriu a boca: “Meia dúzia de pratos”! Todos rimos, é claro. Mas o pedido maluco de Marta me inquietou profundamente. Ela era pobre até pra pedir.
Minha mãe tentou me explicar que, de onde ela vinha, ter pratos era um luxo, assim como ter comida, muitas vezes comida em folhas de bananeira. Mas não bastava a explicação. Descobri para sempre que certas situações podem entranhar a pobreza no ato de pedir, de sonhar, de imaginar, de ter esperança. Era estranho, doloroso, fascinante... algo assim como descobrir a face de Lombardi vendo a cara do Brasil.
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