Os 50 anos do Ilê Aiyê são uma lição de sofisticação
O Ilê deu um novo lugar à negritude da cidade e suscitou e ainda provoca inúmeras discussões que transcedem o mero espaço da folia
Foto: Reprodução
Há 50 anos, no dia em que Américo Vespúcio batizou baía de Todos-os-Santos, isto é, em 1° de novembro de 1974, jovens moradores do Curuzu, especialmente Antônio Carlos dos Santos (o Vovô) e Apolônio de Jesus (o Popó), fundaram um bloco que pretendia modificar (e modificou) a participação do negro no Carnaval de Salvador. Pois é, amanhã o Ilê Aiyê comemora meio século de existência e, se você se lembra daquela música que dizia "18 anos de glória não são 18 dias...", então, meu amigo, minha amiga, você já é, no mínimo, coroa. Desfilando pela primeira vez no carnaval de 75, levando para a avenida a música de Paulinho Camafeu que tematizou a pergunta "Que Bloco é Esse?", o Ilê deu um novo lugar à negritude da cidade e suscitou e ainda provoca inúmeras discussões que transcedem o mero espaço da folia.
Eu sou do Curuzu e sinto orgulho por ter visto de perto parte dessa evolução. Lembro de minhas tias alisando o cabelo a ferro e de minhas primas colocando fraldas na cabeça para brincar de boneca se sentindo menos negras e, portanto, mais bonitas. E sei que, apesar de muito ainda haver que se modificar, a existência do Ilê Aiyê e de um festival como a Noite da Beleza Negra já deram outra cara à questão. Por falar em beleza, há que se destacar a qualidade das músicas que o bloco vem lançando durante todo esse tempo. Muitas vezes compostas por sujeitos com pouco estudo formal, canções como "O Negrume da Noite", "J. América Brasil" e "Negrice Cristal" são verdadeiros elementos de civilização. Certa vez eu mesmo disse: "As músicas do Ilê protestam muito mais por serem belas que por serem de protesto".
As criações de J. Cunha para o bloco são outro capítulo de grande sofisticação. Ressalto a sofistificação porque sei que hoje vige um discurso de que favelado tem produzir bruteza. Pelo visto, a lição do Ilê, 50 anos depois, ainda precisa ser estudada. Inclusive no Curuzu, onde nascemos. Viva!
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