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Perigos que nos cercam

Para quem torce o pescoço para estatísticas e números, basta olhar para o vasto leque de casos reais todos os dias
Foto: Reprodução
Há menos de uma semana, comemorava-se o Dia Internacional da Mulher, e todas elas devem ter recebido pelo menos um card com rosinhas chamando-as de heroínas e maravilhosas, recorrendo a adjetivos tirados da literatura de banca de jornal dos anos 80. No sábado, falava-se da efeméride da data. No domingo e na segunda, a realidade das mulheres brasileiras era radiografada, em duas pesquisas, como o pesadelo que é. O Instituto Sou da Paz anunciava que aumentaram em 23% os casos de mulheres vítimas de arma de fogo e que 35% das atingidas já tinham acompanhamento por histórico anterior de agressões.
Na segunda-feira, uma pesquisa feita pelo Datafolha para o Fórum Brasileiro de Segurança Pública anunciava que 37,5% das entrevistadas, o que equivale a cerca de 21,5 milhões de mulheres brasileiras, por projeção, dizem ter sofrido algum tipo de violência nos últimos 12 meses. No fluxo dos resultados das duas pesquisas, emissoras de TV foram às ruas buscar o rosto, o nome e a voz de quem está por trás dessas estatísticas. No caso do Fórum de Segurança, o percentual de vítimas é o mais alto desde que a entidade começou a pesquisar a violência específica contra as mulheres, em 2017.
Vontade de matar
Os relatos de quem aceita falar na TV são estarrecedores. Mulheres mutiladas, cheias de cicatrizes no corpo, traumatizadas, com biografias trágicas, algumas delas agredidas pelo primeiro, pelo segundo e por um terceiro namorado, companheiro ou marido. É horrível afirmar isso, mas essas entrevistadas são mulheres que tiveram a sorte de sobreviver, pois, somente em 2024, 1.459 foram assassinadas em circunstâncias de feminicídio e não podem contar sua via-crúcis em primeira pessoa. E para quem torce o pescoço para estatísticas e números, basta olhar para o vasto leque de casos reais todos os dias. As facadas, as torturas e as mutilações de Vitória de Sousa, 17 anos, em Cajamar, São Paulo.
Tudo no caso Vitória é para envergonhar um país. É inaceitável que uma menina aos 17 anos esteja sem estudar e fique em um emprego noturno em que precisa pegar dois ônibus e fazer um trecho do percurso a pé, por volta da meia-noite, para voltar para casa. Nesse trajeto, foi assassinada. Homens a esfaquearam no rosto e rasparam seus cabelos. Como no texto “Mineirinho”, de Clarice Lispector, isso é muita, muita vontade de matar. E paremos de justificar os números com o autoconsolo de que eles se explicam não pelo crescimento de casos, mas pelo aumento da consciência das mulheres que agora notificam os casos, dão, queixa, denunciam, etc. É mentira. Os números são estes porque a vontade de agredir as mulheres se mantém e cresce, mesmo com a legislação se aperfeiçoando. Entre agredir e matar e o medo de ser punido, o exercício do ódio contra as mulheres é maior que o medo da lei. Não à toa, alguns homens passam a vida repetindo o padrão.
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