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O chip dos cordeiros e a tecnologia da indignidade

O chip dos cordeiros e a tecnologia da indignidade

Quando se instituiu o Estatuto dos Cordeiros, empresários disseram que o gasto com EPI's comprometeria os orçamentos e a própria viabilidade dos blocos. Sendo que, em alguns casos, um abadá de um dia já paga toda a horda da corda.

O chip dos cordeiros e a tecnologia da indignidade

Foto: Reprodução

Por: James Martins no dia 13 de março de 2025 às 06:04

Passado o Carnaval, eu realmente gostaria de finalmente iniciar o ano novo e não voltar mais ao assunto tão cedo. Mas, assistindo pela televisão a saga dos cordeiros para receberem seus minguados cachês, senti que não posso simplesmente virar a página e nem virar os olhos. Quem partilha a minha faixa etária, certamente se acostumou a ver cordeiros como verdadeiros sacrificados, se humilhando depois da festa para conseguir ter honrado o compromisso do pagamento por parte dos blocos — não raro em cenas aviltantes transmitidas ao vivo. Em 2010, o então vice-prefeito Edvaldo Brito instituiu o Estatuto do Cordeiro, que garantia condições menos desumanas para o exercício da função, como o fornecimento de EPI’s (luvas e protetores auriculares). Na época, os empresários chiaram, dizendo que o gasto com os equipamentos comprometeria os orçamentos e, portanto, a própria viabilidade dos blocos. Sendo que, em alguns casos, um abadá de um dia já pagava toda a horda da corda.

Pois bem, esse ano me surpreendi com uma novidade: para receber o pagamento, o cordeiro teria que, entre outras coisas, devolver as pulseiras com um chip que foram colocadas nos braços de todos eles, para monitorar e garantir o cumprimento do trajeto. Nada contra um contratante querer assegurar que o serviço contratado seja realmente cumprido. O que me chamou atenção foi observar, mais uma vez, que, quando é do interesse de quem manda, a questão orçamentária muda da água para o vinho. "In vino veritas", diziam os romanos. Afinal, o que é mais caro, uma luva de quinta categoria ou um chip de monitoração?

Por fim, era de se esperar que o uso da tecnologia servisse para agilizar e otimizar todo o processo, sendo bom também para os cordeiros cumpridores de sua tarefa de segurar a corda do início ao fim do circuito. Mas, não. Se fosse, não haveria a tal reportagem a que me refiro, onde o mesmo bafafá típico dos anos 1990 estava novamente estabelecido, com direito a choro e ranger de dentes. Uma tristeza. E já que mastiguei um latinzinho de padaria, terminenos assim: “Agnus Dei, qui tollis peccata mundi. Miserere nobis”. 

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