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A novela é multitela

A novela é multitela

É exaustivo ser exposto em níveis tão intensos sobre o mesmo assunto, como se a realidade e o jornalismo tivessem sido sequestrados

A novela é multitela

Foto: Reprodução Jornal Metropole

Por: Malu Fontes no dia 09 de outubro de 2025 às 07:02

Em um país de dimensões continentais como o Brasil, a televisão teve um papel muito relevante em nossa formação cultural na segunda metade do século XX. A telenovela foi o nosso folhetim, o romance barato eletronizado. Nesse primeiro quarto do século XXI, continuamos vendo muito televisão, mas de outro modo. Mediada por outras orientações que não a da própria caixa de metal quadrada, posicionada num espaço privilegiado da casa. Aliás, em muitas casas já nem há mais televisão, o eletrodoméstico, e não é por falta de dinheiro do telespectador. 

Já nem vemos o programa preferido de modo síncrono, na hora em que é veiculado, mas no celular, no PC, na hora que dá, quando e onde for possível e mais confortável. Durante essa semana, quem disser que não ouviu ou não leu nada a respeito de Odete Roitman está mentindo. Nem a contaminação por metanol ocupou tanto espaço na opinião pública. Odete foi o tema mais multitela da semana.

É exaustivo ser exposto em níveis tão intensos sobre o mesmo assunto em dias tão concentrados, como se o humor, a realidade, o jornalismo, as instituições, o céu e o inferno tivessem sido sequestrados juntos e obrigados a dizer ou fazer algo sobre o assunto, tudo ao mesmo tempo agora, sem vírgulas. E o fato de essa intensidade se dar em imagens piora tudo. É como se o rosto de Débora Bloch, à revelia da atriz, claro, tivesse se transformado em átomo, molécula, partícula, se transmutado em oxigênio e pululasse onipresente diante do nosso olhar nas 24 horas ininterruptas de nossa vida desperta. O meme dos primórdios da internet: a gente abre a geladeira, e Odete Roitman está lá dentro.

Fuzil e Bolão

Tudo isso não é mais sobre uma novela, um roteiro ou sobre televisão, o equipamento. É sobre o quanto a nossa existência é ancorada em multitelas. Não importa se o roteiro de um remake é bom ou péssimo, se os textos e diálogos fazem sentido, se soa verossímil uma personagem estar morrendo com um câncer agressivo e pegar um celular para fazer um call, um merchan de uma marca de produtos infantis reais, numa cena de humor involuntário alucinado. Isso tudo não é mais sobre novela ou sobre assistir TV. É sobre a maximização da penetração do marketing em nosso olho e nosso entorpecimento de consumo de logos, marcas, produtos, roupas, carros, sabão. 

Pouco ou nada importa se um produto de TV é bom ou tosco. Ao contrário, ser péssimo poder ser ótimo para alavancar o engajamento e gerar, via doação gratuita do nosso olhar, 200 milhões de reais de lucro à Rede Globo. A bolsa branca Balmain de Fatimores, o solúvel que tira mancha de sangue em seda cinza, a Coke sem metanol do governador, o fuzil de um metro e meio do boy burro, o curso de tiro em segundos, onde vende, quanto custa? Todo mundo quer saber. E você, já justificou sua escolha no bolão ‘quem matou Odete'?