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É proibido criticar

É proibido criticar

O problema, para o jornalismo, é que as pessoas deixaram de se interessar por fatos. O que elas querem são versões customizadas que atendam seu desejo de real

É proibido criticar

Foto: Reprodução

Por: Malu Fontes no dia 13 de novembro de 2025 às 07:37

Na gastronomia, nas artes plásticas, na literatura, música, no turismo, teatro, tornou-se proibido criticar. O papel do crítico profissional, no jornalismo, que tem como função ouvir um álbum novo, ver um espetáculo ou ir a um restaurante e escrever sobre isso é tão raro que dá a impressão de ter desaparecido. Foi substituído pelo influencer que, claro, cobra para opinar. E claro, cobra para elogiar, o que se chama ‘publi’. E quem não é influencer que lute quando manifestar por aí sua desaprovação de pessoas, cidades, produtos e eventos. 

O mesmo está valendo para a informação jornalística. A lógica das redes, ‘escreveu, apanhou’, vale do mesmo jeito para repórteres que fazem matérias sobre a realidade do mundo. Ninguém está interessado na realidade. Está todo mundo viciado em elogio ou massacre, desde que confirmem seu ponto de vista. Todo mundo quer apenas confirmar o que já pensa das coisas. O barulho que se fez contra uma turista que odiou tudo em Salvador tem a mesma lógica adotada pelos moradores de Belém sobre as matérias jornalísticas que noticiam problemas na COP30.

Se chove e alaga, se preços de comida e bebida são estratosféricos, se se fala da falta de infraestrutura, se alguém é assaltado, não é informação. É xenofobia, eurocentrismo e ressentimento da grande mídia sudestina (sic) com raiva pela conferência não ter sido realizada no Rio de Janeiro ou em São Paulo. Os comentários ilustram o quanto o jornalismo não tem lugar de fala para noticiar nada. Escrever que faz muito calor, que gringos têm dificuldades com as roupas e que a Blue Zone alagou? É xenofobia. 

Matar é neutralizar

As pessoas, anônimas ou célebres, estão viciadas em verter nas redes o cano da catarse para dizer sobre o outro coisas que dificilmente diriam olhando nos olhos de quem atacam. Tudo se torna pessoal, combustível para inflamar manifestações de raiva, ofensa, ódio. A segunda parte os algoritmos fazem. Coisas neutras não têm potencial de engajamento e a lógica das redes é provocar reações, o que só é possível com extremos: estimulando a raiva ou jorrando ternura. E ternura hoje só funciona com gatinhos fofinhos no feed, os quase únicos personagens que despertam ‘love bombing’ on-line.

O problema, para o jornalismo, é que tudo é raiva e as pessoas deixaram de se interessar por fatos. O que elas querem são versões customizadas que atendam seu desejo de real criado sob medida. Os fatos? Cada um faz o seu. Até matar mudou de sentido. Para se adequar ao algoritmo, jornalistas já usam um verbo novo: neutralizar. Usar o verbo matar agride a pureza do algoritmo. Mas linchar quem faz uma crítica ao atendimento ou a uma cidade está liberado.

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