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Simone Biles, a fadinha e os problematizadores

Simone Biles, a fadinha e os problematizadores

Deve ter sido um duro golpe para os influenciadores da positividade de faz de conta lidar com a informação de que até a máquina biológica perfeita de Simone Biles veio com a tecla pause e stop

Simone Biles, a fadinha e os  problematizadores

Por: Malu no dia 29 de julho de 2021 às 08:57

No reino dos coaches, se você não vence em absolutamente tudo, claro que o problema está exclusivamente em você. A positividade enjoativa prova por A mais B, em stories com filtros, música eletrônica de plástico e estrelados por gente que não falha e não fracassa nunca, que basta desejar profundo que você tem o mundo. Deve ter sido um duro golpe para os influenciadores da positividade de faz de conta, que vendem o sucesso alheio em 15 segundos, lidar com a informação de que até a máquina biológica perfeita de Simone Biles veio com a tecla pause e stop, pediu um tempo e impôs limites ao corpo e à cabeça. 

Enquanto Biles vestia o uniforme para deixar a competição em grupo e, depois, quando o mundo era informado de que a ginasta mais completa e genial de todos os tempos havia desistido das competições nestas olimpíadas de Tóquio, imaginem o que as blogueirinhas que só têm certezas faziam com essa informação. Como assim? Se anônimas célebres têm 30 horas por dia, rotinas superlativamente instagramáveis, malham certo, comem certo, fazem tudo certo e tudo dá certo, como faz quando a ginasta perfeita revela ao mundo que seu corpo faltou e sua saúde mental pediu para parar tudo ao redor? 

Diante do surrealismo do mundo e de tantos heróis e heroínas de Rheels e TikTok, a biologia manda lembranças por Simone. Vamos parar de fingir que sua vida de mentira é de verdade? Ninguém, nem ela, dá conta do sucesso absoluto sem quebrar as unhas carmim, sem estourar a pele, sem queda de cabelo, sem torsão no pé e sem lágrimas. E os textos xarope na linha ‘ela é uma guerreira’ são só o lado brega da lenda fake de que no juízo final só os adeptos da positividade se dão bem. O real mesmo é que no final das contas todo mundo fracassa de algum jeito, vence de algum jeito e todo mundo morre. Ok, que não precisa ser segundo a lógica de Jair Bolsonaro, segundo quem não tem problema nenhum a gente abrir mão de máscara e de vacina e pedir para o coronavírus passar na frente a adiantar o desfecho. 

CRIANÇA EMPODERADA - No lado oposto à dor do corpo que falhou no palco, como o de Simone, entrou em cena a leveza infantil de Rayssa Leal, a fadinha, medalha de prata para o Brasil no skate. Uma criança, com apenas 13 anos, a menina, de Imperatriz, no Maranhão, fala com a naturalidade da infância o que lhe faz flutuar nas manobras: estou apenas me divertindo. E, apesar da técnica, a diversão aparece estampada no rosto. Mas aí sai dos relatos da sua vitória a ‘positividade tóxica’ e entram os ativistas, identitaristas os problematizadores interpretando textos. 

O jornalismo fala em criança se divertindo e a chama de fadinha, nome que ela ganhou desde que, aos seis anos, ficou famosa em sua cidade por fazer manobras no skate vestindo uma fantasia de fada numa festa da escola. Após sua vitória, a Nike lançou um vídeo já explorando o termo fadinha. Para quê? Os ativistas de sofá ficaram indignados. Sai a criança, sai a fadinha e vamos de problematização. Muda tudo. É mulher, negra, nordestina, empoderada. E fadinha é tratamento do patriarcado machista opressor que minimiza o esforço e a técnica e atribui a medalha de Rayssa a poderes mágicos e a crendices holiwoodianas, as fadas, produto do capitalismo selvagem e já tornado mecanismo de exploração por uma empresa predadora. 

E daí pra frente é debate ideológico e racializado nas redes, envolvendo racismo, apagamento identitário, colorismo, interseccionalidade, abismo entre negros retintos e pardos e termos que não há índice remissivo que dê conta. Entre a beleza mentirosa dos stories em que a vida perfeita engatada no sucesso não borra nunca e os problematizadores que militam até sobre as asas de tecido de uma roupa de fada no interior do Maranhão, viva a vida real de Simone Biles e de Rayssa Leal. A atleta genial também sente dores, nos pés e na alma, e a criança brasileira merece se divertir sem carregar o peso do empoderamento militudo que querem empurrar em sua leveza aos 13 anos. Descansem um pouquinho, coaches da positividade infalível e ativistas das caixinhas.