
Varginha e os 26 neocangaceiros mortos
Na esfera pública, cada um que fique com a interpretação que mais se encaixa em suas convicções polarizadas: bandido bom é bandido morto, e as polícias estão cansadas de prender líderes de facções criminosas, mandarem para as cadeias e, de lá, os bandos fortalecerem suas estratégias de ação, lá dentro e cá fora

Foto: Reprodução Jornal da Metropole
Há 25 anos a cidade mineira de Varginha ganhou uma fama pitoresca, para dizer o mínimo. Três garotas caminhavam tranquilamente no início da noite, se deslocando de um bairro a outro, quando, segundo testemunharam, avistaram um alienígena. Era baixinho, de cor marrom e estranhos olhos vermelhos. A cidade nunca mais dissociou seu nome do suposto extra-terrestre.
As lendas e as versões que desde então se multiplicaram em torno da tal aparição do ET de Varginha são muitas, diversas, e correram mundo, atraindo o interesse de ufólogos. Há quem jure, e páginas e páginas da web estão aí plenas de textos e imagens esquisitas sobre o assunto, que militares brasileiros capturaram o ET que aportou no município mineiro e o teriam levado a um hospital da cidade, onde o ser estaria lá até hoje, como objeto de estudo e de segredo militar estratégico. Lenda urbana, teoria conspiratória, fantasia de criança ou só mais um telefone sem fio desses que dão conta de alienígenas entre nós, vá saber…
No último domingo, no feriadão de finados, Varginha foi palco de mais uma história dessas capazes de alimentar um sem fim de especulações e, desta vez, digna de se inscrever na crônica do aprofundamento da violência brasileira com muito sangue. Todo mundo já ouviu falar do Novo Cangaço e dos mega-assaltos espetaculares que seus bandos realizam em cidades médias do interior do país. O modus operandi repete-se. Frotas de carros caros, potentes e blindados, arsenal de uso exclusivo de forças estatais de segurança pública, farta munição, cenários premeditados de terrorismo urbano para causar pânico na população, nas autoridades e nos policiais, e ações em datas em que as tesourarias dos estabelecimentos bancários estão com alto volume de recursos para o pagamento do funcionalismo público da região.
REZAR - A nomeação de cangaço - Novo Cangaço ou Neocangaço - é uma referência explícita ao bando de Lampião, que aterrorizava pequenas cidades, povoados e fazendas do interior do Nordeste, sem economizar violência e saqueando tudo o que achava com comerciantes e fazendeiros, de gêneros alimentícios a joias e dinheiro. Recentemente, têm sido frequentes essas ações, violentas ao extremo, como a ocorrida há poucas semanas na cidade paulista de Araçatuba. No domingo, ao invés de ser a protagonista de uma ação semelhante em Varginha, segundo a Polícia Rodoviária Federal em Minas e a Polícia Militar mineira, uma quadrilha do Novo Cangaço foi inteiramente abatida antes de entrar em cena: 26 mortos, todos do bando dos suspeitos, segundo os policiais.
A versão das policiais é a de que os suspeitos foram mortos em dois locais diferentes onde a quadrilha se dividia para atacar a tesouraria do Banco do Brasil, numa cena que repetiria os recentes roubos cinematográficos em Araçatuba (SP), Criciúma (SC) e Uberaba (MG). Os departamentos de inteligência das duas polícias teriam descoberto os planos com antecedência e organizado uma emboscada, em duas chácaras. Como nenhum suspeito, curiosamente, sobreviveu aos ferimentos, embora todos tenham sido levados para hospitais, e nenhum tenha sido deixado no local do confronto para perícia, a versão é só uma: feridos em confronto, foram socorridos, mas nenhum dos 26 resistiu.
Na esfera pública, cada um que fique com a interpretação que mais se encaixa em suas convicções polarizadas: bandido bom é bandido morto, e as polícias estão cansadas de prender líderes de facções criminosas, mandarem para as cadeias e, de lá, os bandos fortalecerem suas estratégias de ação, lá dentro e cá fora. Ou, pela coincidência de nenhum policial ter se ferido num confronto em que 26 suspeitos saíram mortos, e nenhum estava na cena do crime para perícia, a população e a própria polícia que tomem providências, pois os líderes que comandam essas ações das prisões estão vivos e têm como método reagir ao seu modo a ações dessa magnitude. As providências da polícia podem ser várias. As da população? Rezar.
📲 Clique aqui para fazer parte do novo canal da Metropole no WhatsApp.