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O capricho musical de um ícone da Vanguarda Paulistana

O capricho musical de um ícone da Vanguarda Paulistana

Lançado em 1985, álbum "Caprichoso" traz a singularidade do grupo Rumo vestida em roupagem pop-rock

O capricho musical de um ícone da Vanguarda Paulistana

Foto: Reprodução

Por: Juliana Rodrigues no dia 02 de março de 2021 às 10:04

Nos anos 80, uma geração inteira de músicos, cantores e compositores nascidos ou radicados em São Paulo se tornou sucesso de crítica, embora nem sempre (quase nunca) isso se traduzisse em popularidade. A imprensa chamou essa trupe de "Vanguarda Paulistana", nomeando esse coletivo de artistas quase como um movimento, ainda que nem eles próprios se enxergassem assim. Cada um trazia sua dose de inovação, em música, letra ou linguagem. Entre eles, estava o grupo Rumo, "nascido em 74 com uma história singular", para citar a última música do álbum que é objeto desta indicação: "Caprichoso", lançado em 1985.

É o quarto álbum do grupo que iniciou a trajetória em disco no ano de 1981, em dose dupla, após sete anos de apresentações, laboratórios e estudos teóricos. A matéria-prima da música do Rumo está na visão de que a canção nasce da melodia da fala. Não por acaso, é nesta tese que se baseia a pesquisa de Luiz Tatit, um dos membros-fundadores do coletivo, professor universitário e referência na área de Semiótica da Canção. A ele se juntaram outros nove jovens, incluindo nomes que viriam a se tornar conhecidos no meio da música e das artes, como Ná Ozzetti e Paulo Tatit.

Sou suspeita para falar do Rumo, já que me tornei fã do grupo em plena pandemia de Covid-19. O encantamento veio pela magia lúdica-experimental das canções, pelo virtuosismo dos músicos e pela voz cristalina e precisa de Ná, principal vocalista, que se lançou como cantora solo em um álbum de estreia irretocável. Embora goste muito de todos os álbuns, o "Caprichoso" ganhou meu coração por representar o estado da arte na evolução musical da trupe. Estão ali as letras inusitadas (e até bem-humoradas), as melodias meio tortas e o "canto falado" característico dos álbuns anteriores, mas há um elemento novo: um ar mais roqueiro e um tantinho mais palatável para públicos acostumados ao que toca no rádio.

É fácil e ao mesmo tempo instigante ouvir músicas como "Delírio, Meu" (Luiz Tatit), "Caprichoso" (Zecarlos Ribeiro) e "Sombra" (Ribeiro). Outras canções nos envolvem em uma narrativa peculiar, como "Esperança Ribeiro" (Ribeiro), "Bem Alto" (Ribeiro) e "Olhando a Paisagem" (Tatit). Até as situações corriqueiras são transformadas em uma história bem contada, como "O Apito" (Ribeiro), 1800 e Pouco (Ribeiro) e No Decorrer da Madrugada (Tatit). Claro, o Rumo não se furta a ironizar a própria condição de "sucesso de crítica sem público", nas faixas "Salve a Vítima" (Tatit) e "Release" (Tatit). Esta última, que eu citei no primeiro parágrafo, conta a história do próprio grupo e já vale pelos versos "Foi se tornando notável / uma música vendável / só que não tocava em rádio / que situação constrangedora / tudo sem uma gravadora! / no mínimo, é um fenômeno".

Toda essa riqueza de letras e significados está bem casada com arranjos extremamente criativos, que ainda trazem o melhor uso de um saxofone que você vai ouvir na música popular (salve, Hélio Ziskind). Ah, e tem a voz de Ná Ozzetti, é claro. Além dela, Paulo Tatit (muito antes da Palavra Cantada), Pedro Mourão (melhor voz masculina do grupo, desculpem os demais) e quase todos os outros integrantes se alternam nos vocais.

O conjunto da obra credencia o álbum "Caprichoso" como um ótimo cartão de visitas para o trabalho do grupo Rumo. É um disco leve, que ajuda o ouvinte a entender os motivos que fazem com que o tempo passe e o grupo continue novo, mesmo após mais de 45 anos. Já que terminei do mesmo jeito que comecei, citando "Release", deixo a música aqui para quem quiser ouvir logo de início. É singular.

Para ouvir o álbum completo:

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