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Serviço de Aborrecimento ao Cidadão: Referência no passado, SAC vira dor de cabeça para baianos

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Serviço de Aborrecimento ao Cidadão: Referência no passado, SAC vira dor de cabeça para baianos

Entre o sistema que cai, o agendamento que some e a senha que ninguém chama, o SAC, que já foi referência de projeto no Brasil, virou motivo de revolta e piada entre os próprios usuários.

Serviço de Aborrecimento ao Cidadão: Referência no passado, SAC vira dor de cabeça para baianos

Foto: Joá Souza/GOVBA

Por: Daniela Gonzalez no dia 31 de julho de 2025 às 09:55

Matéria publicada originalmente no Jornal Metropole em 31 de julho de 2025

Um dia, a Bahia teve orgulho de dizer que foi pioneira. Que foi vanguarda. Que criou um modelo de atendimento ao cidadão que inspirou o país inteiro. Um tal de SAC — sigla pomposa para Serviço de Atendimento ao Cidadão. Mas, se depender dos relatos atuais, talvez seja hora de revisar o nome. Algo mais honesto, como Serviço de Aborrecimento ao Cidadão. 

O Jornal Metropole ouviu usuários que enfrentaram o que, em teoria, deveria ser uma tarefa simples: tirar um documento, renovar a carteira de identidade ou resolver uma pendência no Detran (Departamento Estadual de Trânsito da Bahia). Mas na Bahia, o desafio começa antes mesmo de sair de casa — lá no agendamento. Faltam datas, sobram frustrações. Tem gente tentando tirar a nova Carteira Nacional de Identidade (CNI) desde dezembro do ano passado. Sim, dezembro. Do ano passado.

Foto: Gov-BA/Mateus Pereira

Arte de enrolar
Basta uma passada rápida nas redes sociais do SAC para encontrar um festival de queixas: de todos os tipos, tamanhos e níveis de desespero. Tem resposta? Tem. Mas é quase uma IA humana: copia, cola e repete. Troque o nome do reclamante e pronto, resposta nova. Eficiência total na arte de não resolver nada.

SAC: Sistema a cair 
E quando, por um milagre tecnológico ou alinhamento de planetas, o cidadão consegue um horário? A emoção dura pouco. “Sistema fora do ar” virou o bordão não-oficial do SAC. O usuário chega, entrega o CPF, sorri de esperança, senta e escuta o clássico:

— Hoje o sistema tá instável. Vai precisar remarcar.

E lá se vão mais semanas ou meses, tentando achar um novo horário. Isso se o sistema não tiver... adivinha? Fora do ar. De novo.

A contar com a sorte
Outro detalhe que se repete feito disco arranhado: o jeitinho. O famoso “tente marcar no site às 16h que sempre aparece uma desistência”. Sim, há quem recomende esse método mágico. Atendentes sussurram como quem passa um segredo milenar. Parece até que o agendamento virou jogo de azar — aposte no horário da tarde e veja se a sorte te sorri. A crítica aqui? É simples: se o sistema oficial depende da esperança no improviso, talvez o problema seja o próprio sistema.

Ah, e os canais de agendamento? Site, telefone, WhatsApp... tudo que a modernidade pede. Na prática, uma peça de teatro do absurdo. Larissa Passos, autônoma de 27 anos, que o diga. Agendou a primeira identidade do filho pelo WhatsApp da instituição. Recebeu confirmação, horário marcado. Chegou o dia e... nada. A marcação não constava. Mostrou a conversa, foi levada a uma suposta gerência e ouviu o veredito final:

— As marcações pelo WhatsApp não são confiáveis.

 Claro. É só uma das plataformas de contato oficiais, divulgadas pelo próprio SAC. Mas confiável? Que exagero esperar isso.

Foto: Gov-BA/Mateus Pereira

Peregrinação do SACrifício
E tem mais. Natalia Menezes, de 32 anos, viveu o que pode ser descrito como uma saga em três atos — ou melhor, três sacrifícios. Primeiro, foi ao SAC do Salvador Shopping. O site não mostrava vagas para CNH e não havia instrução clara sobre o que fazer. Lá, disseram que não tinha previsão de agendamento. Mas, após muita insistência (e paciência), uma atendente revelou o “segredo”: o SAC do Comércio estaria atendendo sem marcação.

De acordo com Natália Menezes, encontrou um ambiente sujo, com obras no andar de baixo, poeira por todo lado. Atendentes rindo entre si enquanto senhas paradas no painel esperavam serem chamadas. Na recepção, disseram que o comprovante de residência podia ser online. No atendimento, mudaram a regra: só impresso. Resultado? Saiu pela rua caçando onde imprimir. Sem ajuda. Sem orientação. Sem SAC.

Quando voltou, mais 20 minutos de espera com fila parada. E a cereja do bolo: foi encaminhada para fazer o exame numa clínica no bairro de Sussuarana — mesmo morando no Resgate. Uma logística tão eficiente quanto mandar um morador da Liberdade resolver um problema em Praia do Forte. 

Sistema que sabota
Fernando Oliveira, de 26 anos, precisou renovar a CNH. Foram necessários três dias — isso mesmo, três — para conseguir concluir o processo. No primeiro dia, o clássico: sistema fora do ar. A atendente recomendou: “Volte mais tarde”. Ele pediu paciência no trabalho, deu um jeito e voltou. Chegando lá... surpresa! Sistema fora do ar, de novo. Orientação da vez? “Tente amanhã”. E lá foi Fernando, persistente. No segundo dia, adivinhe? Nada do sistema funcionar. Só no terceiro dia — às 10h da manhã —, os trâmites finalmente aconteceram. O sistema cooperou. Ou cansou de sabotar.

E não pense que o problema é exclusividade da capital. Moradores de Juazeiro, Vitória da Conquista, Camaçari, Alagoinhas, Itabuna, Dias D’Ávila e Santo Antônio de Jesus relatam o mesmo: sumiço de vagas para a identidade. Em algumas cidades, a tal da nova CNI, gratuita para primeira via, virou lenda urbana. O tipo de coisa que você escuta falar, mas ninguém viu. Tipo saci-pererê ou atendimento rápido em repartição pública.

Foto: Gov-BA/Thuane Maria

Difícil saber onde tudo começou a dar errado
O mais curioso? O SAC nasceu como símbolo de eficiência. Em 1995, foi inaugurado com pompa no bairro do Comércio, em Salvador, dentro de um casarão histórico tombado — onde funcionava o antigo Instituto do Cacau. Era bonito, organizado, até elogiado pelo então ministro Bresser Pereira, que viu ali um modelo a ser exportado para o resto do país. 
A própria ONU (Organização das Nações Unidas) chegou a reconhecer o sistema como uma das melhores práticas existentes na área de prestação de serviços públicos. Mas o SAC passou pelo famoso “envelheceu mal”. Poderia ter sido um vinho nesses 30 anos de experiência, mas foi um suco de limão - daqueles amargos, que azeda o dia a dia do baiano. 

A sensação é de que o brilho do SAC ficou no passado — junto com os computadores de tubo e os telefones de disco. O atendimento, que deveria ser integrado, parece mais um jogo de “telefone sem fio”, em que cada atendente dá uma versão diferente da mesma história. Enquanto isso, os cidadãos seguem no SAC. Ou melhor, no SACRIFÍCIO. 

A reportagem buscou o SAC para obter respostas sobre as principais reclamações dos usuários. O órgão alegou que no primeiro semestres deste ano não identificou quedas de sistema com impacto significativo aos atendimentos. 

Confira as respostas:

1.    Falta de integração entre atendentes
A base de informações utilizadas pela recepção nos postos SAC vem do Portal BA.GOV, alimentado pela Carta de Serviços, cuja atualização é de responsabilidade dos órgãos parceiros. Para que possamos atuar de forma mais assertiva, é importante avaliar um caso concreto, que vai nos permitir a identificação da inconsistência e o direcionamento adequado à equipe de recepção.

2.    Indisponibilidade de datas para agendamento – CIN
A antiga carteira de identidade (RG) tem validade até fevereiro de 2032, prazo em que toda a população baiana deverá estar identificada com a nova Carteira de Identidade Nacional (CIN). É um prazo longo de quase sete anos. Como o atendimento é realizado exclusivamente por agendamento, não é possível mensurar com precisão a demanda reprimida. Vale ressaltar que a CIN é um documento novo e não equivale a 2ª ou 3ª vias do antigo RG. E sendo um documento absolutamente novo para todos os cidadãos e cidadãs, a primeira via é gratuita (e sempre será), cumprindo uma prerrogativa legal da nação, que tem o dever de fornecer documento de identificação a todos e todas, sem qualquer tipo de distinção.
Ainda assim, diante da grande procura pelo serviço, O SAC tem adotado diversas medidas para ampliar a oferta de vagas, como: atendimento aos sábados; ações da Equipe SAC Itinerante em escolas e comunidades em situação de vulnerabilidade; ampliação do horário de funcionamento dos postos; unificação de guichês IIPM/Detran; e implantação da CIN nos municípios com atuação no projeto "CIN em Todo Lugar"

3.    Serviços do Detran fora do ar – SAC Shopping da Bahia e Comércio
É necessário especificar qual serviço foi afetado. Em julho, houve uma instabilidade no link da unidade Detran. Então, também é importante os detalhes da queixa de maneira mais específica.

4.    Queda constante de sistema
É preciso saber a qual serviço se refere. As intercorrências sistêmicas são comunicadas aos órgãos responsáveis, que atuam para restabelecer os serviços o mais rápido possível. No 1º semestre de 2025, não registramos quedas de sistema com impacto significativo ao cidadão.

5.    Sobre os funcionários do SAC
As unidades contam com profissionais de diferentes vínculos: REDA, terceirizados, Primeiro Emprego, servidores públicos municipais e estaduais, além de colaboradores vinculados diretamente aos órgãos parceiros.